sexta-feira, 28 de novembro de 2008

PORTUGAL EM 2100

“Estudo adverte que o Sul da Península Ibérica irá perder turismo com o aquecimento global no planeta”

Muito do litoral português, como a Costa da Caparica ou a Ria Formosa, irá ficar alagado até 2100. Com temperaturas demasiado quentes no Verão, o Algarve irá perder turismo a favor de destinos no Norte, ficando mais exposto a insectos e pragas infestantes que originam as chamadas doenças dos viajantes. Um estudo sobre os efeitos das alterações climáticas nos destinos ibéricos no final do século XXI, da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE), traça um cenário, no mínimo preocupante. “O estudo serve para alertar que se não se fizer nada para evitar o futuro que está anunciado, há grandes probabilidades deste cenário catastrófico acontecer”, frisa Eunice Gonçalves, presidente do conselho directivo da ESHTE e co-autora do estudo.
As preocupações partem de aumentos de seis graus centigrados até ao final do século, um cenário já referenciado em estudos anteriores. “As temperaturas subirão, e de forma significativa. Os fluxos turísticos do Sul da Península Ibérica irão deslocar-se para o Norte, á procura de temperaturas mais amenas”, adianta Eunice Gonçalves, referindo que o Inverno tende a ser a estação alta do Algarve e Sul de Espanha. “Há um limite para o sol e mar a partir de determinada temperatura, sobretudo com o turismo sênior a ganhar importância”.
Não será a morte do Algarve, “mas o destino tenderá a perder peso no conjunto do país para outros crescerem”. É o caso do Norte, Madeira e Açores. “No Norte da Europa, por exemplo, hoje não há turismo balnear, e com o aumento das temperaturas poderá vir a existir”.
O efeito mais crítico é o da subida média da água do mar. Muitas áreas da costa portuguesa deverão ficar alagadas. Globalmente, o mar subiu 10 a 20 centímetros no século XX, também como conseqüência do degelo dos glaciares. “Em todo o território nacional vai haver um recuo da linha de costa”, avisa a investigadora.

Serra da Estrela emerge para o turismo náutico

Com o aquecimento global, também os destinos de neve da Península Ibérica irão desaparecer enquanto tal, com excepção dos Pirineus. “Esses locais terão de evoluir para outro tipo de produto. Chega a um ponto que é tão caro manter a neve que a própria estância deixa de ser viável”, salienta Eunice Gonçalves. “E já hoje se nota cada vez mais necessidade de recorrer a meios mecânicos, como canhões de neve”. O caso emblemático em Portugal é a serra da Estrela, colocando-se as alternativas ao nível do turismo de natureza e de montanha. “Se a neve derrete, vão criar-se imensos lagos e bolsas de água, que podem ser agradáveis para actividades náuticas”.
Eunice Gonçalves sublinha que há margem de intervenção no sentido de controlar os efeitos anunciados das alterações climáticas. “Este é um exercício que parte da situação actual, projectando-a até o final do século”, explica. A verdade é que o estudo já considera como situação de partida, em 2008, fenômenos como “erosão litoral, cheias, secas, ondas de calor, fogos florestais e desertificação”.

Em 2100

Com o aumento de 6º C até ao fim do século, fluxos turísticos do Sul da Península Ibérica irão deslocar-se para Norte.
O inverno passa a ser a estação alta do Algarve. O Alentejo interior sobe dos actuais 20 a 90 dias de temperaturas máximas de 35º C.
Riscos para a saúde, com o aumento de insectos e espécies infectantes, como as alforrecas.
Norte, Açores e Madeira irão ganhar pelos climas amenos.
Com a neve a derreter, a serra da Estrela irá ganhar bolsas de água, para turismo de natureza.
Recuo da linha de costa em todo o território nacional. Costa da Caparica e Ria Formosa, no Algarve, são algumas áreas que tendem a ficar alagadas.
No enoturismo, a adequação de castas será um imperativo.


‘Conceição Antunes’

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

DE ABRAHAM LINCOLN A BARAK OBAMA

Houve dois magricelas de Illinois que mudaram a história do país. Lincoln e Obama, diz John Hetfield, um afro-americano que não esmorece na esperança numa nova era liderada pelo senador do Illinois. Esta associação encerra parte da história da luta pela igualdade de direitos entre pretos e brancos. Datas marcantes do trajecto:

1863
Abraham Lincoln ordena a libertação de todos os escravos nos estados da confederação.

1865
A guerra civil termina e a 13ª emenda que proíbe a escravatura, é aprovada.

1868
A 14ª emenda torna os afro-americnos cidadãos de pleno direito.

1877
Os Estados do Sul recuperam o poder depois da reconstrução e instituem políticas segregacionistas.

1890
Campanha de terror do Klu Klux Klan.

1965
O “Voting Rights Act” torna-se lei e proíbe qualquer imposto ou teste de literacia que impeçam os pretos de votar.

1966
Edward Brook é eleito o primeiro senador afro-americano.

1992
Carol Brown ganha a corrida para o Senado. É a primeira negra a consegui-lo

2008
Barak Obama torna-se o primeiro negro a ser eleito Presidente dos Estados Unidos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A RECENTE DISPUTA ELEITORAL NA GUINÉ-BISSAU REPRESENTA UM NOVO GOLPE NA DEMOCRACIA

A eleição de 16 de Novembro na Guiné-Bissau representa uma nova ameaça para os valores democráticos e põe em causa a situação política que já é uma preocupação. Isto porque não houve mudança na configuração interna da sociedade, nos discursos das lideranças dos partidos políticos para ultrapassar as sucessivas crises.

Os partidos políticos não sabem o que fazer. Todos apresentaram candidatos ou coligações para assumir o governo, mas não conseguiram demonstrar para o eleitorado e a sociedade como um todo como pretendem ultrapassar a crise. Não parece que as lideranças políticas estão interessadas em desenvolver mudanças estruturais no país, mas sim interessados a conquistar apenas o poder a todo custo aproveitando-se de espaços na comunicação social para iludir o povo, criar instabilidades e adiar o processo da institucionalização da esfera pública. As denúncias do narcotráfico de Estado dominaram totalmente o debate político-eleitoral, no entanto, até ao momento, não existe nenhuma queixa-crime na Procuradoria-Geral da Republica ou no Supremo Tribunal de Justiça contra as figuras civis e militares envolvidas no crime organizado. Não faltaram indícios.

A recente disputa eleitoral não parece que vai ultrapassar a crise de governabilidade e a ausência da ética na política e na formação de um novo governo. São interesses pessoais, de grupos políticos e partidários que estão em jogo. Uns buscam controlar o aparelho de Estado; já outros são apenas coadjuvantes que reivindicam espaços no governo. Reclamam o direito de voz e vez para definir as políticas e o poder político. Cada um quer a sua parte. Não existe um projeto de Nação, nem negociação e acordos políticos. Quando afirmados são constantemente desrespeitados e negligenciados. O anterior governo de base alargada, todos se recordam, é um bom exemplo da dificuldade que os líderes de partidos políticos têm de incorporar as regras e os valores básicos do pluralismo democrático, tanto dentro dos seus próprios partidos como na suas relações com as organizações da sociedade civil. Os sucessivos governos, mesmos os interinos, não foram capazes de redefinir suas práticas governativas, pondo em risco a governabilidade e a democracia, bem como a adoção de novas alternativas viáveis e consensuais que pudessem facilitar o desenvolvimento sustentável.

À semelhança do que acontece na sociedade política, nas organizações da sociedade civil, cuja visão política é, hoje, na Guiné-Bissau, de uma classe média situada entre uma maioria da população excluída e uma minoria lançando mão dos privilégios que o sistema partidário proporciona, comprometendo a sua automatização na sua relação com o Estado. Não quer dizer que não houve avanços das organizações da sociedade civil nas denúncias da corrupção e do narcotráfico de Estado. É sempre importante denunciar atos de corrupção, no entanto, é preciso ações mais efetivas e concretas por parte dos líderes das organizações da sociedade civil, inclusive nesse momento político pós-eleitoral, já que o sistema partidário mostrou-se incapaz de representar a opinião pública por utilizar a política como moeda de troca.

Outra questão que se coloca é a relação entre civis e militares. A transição guineense para a democracia, por exemplo, ficou conhecido mundialmente pelos sucessivos golpes de Estado. Ela foi incapaz de evitar que o aparato de poder autoritário prosseguisse. Conseqüentemente, os partidos políticos continuam a incentivar intervenções militares em situações de crises, algo quase impossível numa democracia forte em que os generais têm parca capacidade de solapar instituições políticas da República. Nem os quatro Presidentes da República pós-período militar, João Bernardo Vieira, Kumba Yala, Malam Bacai Sanhá e Henrique Rosa conseguiram alterar significativamente a intervenção do poder militar nas questões de competência civil.

Admitindo-se que a recente disputa eleitoral não parece representar uma alternativa viável e rumo a uma democracia consolidada ou em via de consolidação, resta-nos indagar qual será a perspectiva governativa do novo governo saído destas eleições? Não dá, por enquanto, para fazer qualquer pré-visão sobre as recentes eleições. O que podemos dizer é que estamos perante uma situação difícil de estabelecer acordos políticos entre diferentes forças políticas de forma a garantir a governabilidade. Vejamos:

PAIGC

O Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde, que poderia representar uma alternativa governativa, não parece capaz de estabelecer uma aliança política para o enfrentamento de questões urgentes que pudesse refletir na melhoria das condições de vida da população. O PAIGC deixou de representar a vontade coletiva da sociedade guineense há mais de 30 anos. Deixou de ser um partido orgânico. As disputas de poder e interesses difusos fora de controle dos seus líderes acabaram por desviar a atenção do partido na sua relação com a sociedade.

O partido não soube aproveitar o ambiente político favorável proporcionado pela reeleição de Carlos Gomes no VII Congresso. Ao invés de deixar para trás a sua política de “camaradagem” e os erros cometidos no passado, Carlos Gomes preferiu simpatizar-se com o Presidente Vieira cujo passado guerreiro não parece deixar boas lembranças aos guineenses e amigos da Guiné-Bissau. Vieira reclama cada vez mais voz ativa no PAIGC e no governo, e quando não consegue, tenta desarticular a liderança de Carlos Gomes e da classe política, dissolvendo o Parlamento ou mantendo uma parte dele em função como forma de atingir seus objetivos de permanecer no poder.

PRS

O Partido da Renovação Social, a segunda maior força política do país, também não parece representar alternativa por não ter conseguido renovar o seu discurso. O PRS é um partido com alto grau de tendências internas e inclinações étnicas e regionais sem um projeto político claro. Parece mais interessado em desenvolver uma política de intimidação e ameaças, prática típica do seu líder. Não parece interessado em estabelecer uma política de aliança ou coligação governativa sustentável com o governo que sairá das eleições.

PRID

O Partido Republicano para a Independência e Desenvolvimento, recentemente criado, ao comprar a consciência do eleitorado com recursos oriundos do narcotráfico e crime organizado importa apenas garantir o poder da cúpula no governo e interesses pessoais do presidente João Bernardo Vieira. O presidente investiu financeira e politicamente e incentivou a criação do PRID, o que garantiu ao partido um número significativo de eleitorado e votos, se considerarmos a data da sua fundação. Com base nesse apoio, o presidente Vieira conseguiu inibir, em parte, a oposição interna dentro do PAIGC e do PRS que foi tão clara e perigosa para a manutenção do seu status quo. Se levarmos em conta que a sua relação com o atual presidente do PAIGC se assenta na disputa de espaços e poder, e considerando que a sua hegemonia no partido está minado, o presidente Vieira preferiu agir com pragmatismo, e quem sabe, mais adiante, dependendo do desempenho eleitoral do PRID, neste pleito, o presidente Viera terá uma porta aberta para sua manutenção no poder por mais quatro anos sem necessariamente precisar do apoio do PRS.

O que importa para o presidente Vieira é manter o seu status político herdado na luta de libertação nacional. Agora ele pode contar com apoio e confiança do PRID para manter a “governabilidade” e inibir o perigo do PRS na casa legislativa. Quem mais perdeu, nesta disputa eleitoral é Carlos Gomes Júnior que terá que sentar-se à mesa com o seu grande adversário político, Aristides Gomes, líder do PRID, que sempre reclamou possuir o apoio incondicional de Vieira durante a campanha eleitora.

Ao invés de se posicionar, o presidente Vieira preferiu adotar uma política de não enfrentamento. Mas o presidente Viera terá de decidir publicamente: que interesse político ele representará, ou terá que arcar com o descontentamento do PAIGC, que não gostou do fato de não poder utilizar a sua imagem durante a campanha eleitoral. Na hora certa, Vieira irá posicionar-se para tentar recompor as forças dentro do próprio PAIGC em benefício do PRID e interesse político próprio. Em torno de tudo isso, uma constatação: a recente disputa eleitoral na Guiné-Bissau representa mais um golpe na nossa democracia devido à ausência de um projeto político claro e coeso que possa redefinir o rumo do país e garantir a governabilidade.

Ricardino J. D. Teixeira - Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de sociologia na Faculdade de Ipojuca - Brasil

Visionado em: www.didinho.org