segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Orkut: do lado direito da tela

"Navegar é preciso, conviver quase impossível. Em tempos de capital desterritorializado e novas mídias criando subjetividades requeridas pela acumulação contemporânea, é preciso atualizar o poeta. Mais que isso, é necessário revisitar o significado de termos como comunidade e amizade. A primeira, independentemente do prisma sociológico escolhido, sempre foi compreendida como um lócus territorial específico. Seja como unidade sócio-cultural ou agregado biológico, os elementos definidores sempre foram sua materialidade e participação efetiva dos membros constituintes. A segunda, a enaltecida palavra amizade, significava, até então, processo de afetividade recíproca. Algo construído com cumplicidade e reconhecimento do outro como sujeito dotado de direitos e desejos..
Mas os novos tempos não são alentadores. A ordem societária do neoliberalismo não comporta projetos coletivos e utopias que ameacem os seus axiomas. Solicita relações fragmentadas, atomizadas. Uma identidade de espelho partido. Em meio à circulação indiferente de códigos e à autonomia das coisas em relação às idéias, a inteligibilidade do mundo se evapora. Resgatá-la como totalidade, ocultando as fraturas permanentes da sociedade de classes, é, como destacou Guy Debord, função do espetáculo. Urge dar às pessoas o simulacro do que lhes falta na vida real. Quando a anomia se transmuta em regra, os dispositivos técnico-digitais agenciam uma sociabilidade tão precária quanto frenética. Nunca se buscou tão pouco, nunca foram tantos os sites de busca.
É nesse contexto, de vazio político-filosófico, que surgiu a febre do Orkut, ferramenta ligada ao império Google. Definido como site de relacionamentos, abriga uma contradição em termos: a expressão ‘comunidades virtuais’. O que seriam tais entidades? Não-lugares que primam pela ausência de interação? Espaços que independem da subjetividade dos seus membros? Falsas constelações sem imaginário e história? Agrupamentos que se definem por identidades líquidas?
Pergunta ao usuário: o que é pertencer a uma ‘comunidade do Orkut’? Seria acessar o hábitat do fetiche da mercadoria? E se houver algum imprevisto do tipo "bad, bad server. No donut for you"? Sem problemas, a reprodução social passa pela infantilização eterna. Criança não quer política. Contenta-se com docinho. Em seguida, vieram outros sites de relacionamento. Todos com a promessa de uma estruturação mínima, de conexões sem risco de aprofundamento e contato. O único risco é um bug indesejável. Algo que, paradoxalmente, possa restituir a magia primitiva da linguagem.
Exacerbando as tendências comportamentais da sociedade contemporânea, o Orkut acabou por produzir o oposto do que prometia: a capacidade de resgatar e ampliar o círculo de amizades. Na verdade, o que se observa é uma compulsividade acumulativa.
O que era um processo envolvendo concordância de sentimentos, apreço pelo outro, relação reinventada diariamente, torna-se, no universo do Google, uma mera operação de adição. Ostentação curricular de prestígio social. Competitividade deslavada. Com certificado de qualidade que vem sob a forma de "depoimento". Nunca a solidão agregou tanta euforia. E uma fantástica coleção de retratos. A impossibilidade constitutiva de se ter mais de uma centena de amigos é um detalhe a ser ignorado. Deveriam ter aprendido com o Show de Truman que o horizonte termina na parede.
Bons os tempos que os amigos eram raros e cultivados. Hoje, como simulacros, são adicionáveis e devem ser guardados do lado direito da tela. E pouco importa o que digam o tempo e a distância. A canção deve ser esquecida. Nunca fomos tão felizes.
Em tempo:o autor deste artigo tem perfil no Orkut. Para melhor vivenciar a dinâmica, aceitou pedidos de adição e escreveu testemunhos. Visitou algumas das ditas comunidades e selecionou algumas para compor o perfil do usuário. Jamais participou de nenhuma, posto que o significado mais exato da palavra participação e a proposta Google são incompatíveis.
Artigo publicado originalmente no Jornal do Brasil.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Molusco com superarmadura

Agência FAPESP – Os coletas à prova de bala e as armaduras dos soldados do futuro poderão ser baseados em um molusco com menos de 5 centímetros de comprimento que vive nas profundezas oceânicas.
A novidade está em artigo que será publicado esta semana no site e em breve na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
“Exoesqueletos biológicos, em particular aqueles com propriedades multifuncionais e inusitadamente robustas, têm potencial enorme para o desenvolvimento de materiais protetivos e mais resistentes”, destacaram os autores.
Christine Ortiz, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, e colegas estudaram o molusco da espécie Crysomallon squamiferum, descoberto recentemente próximo a fossas abissais no Oceano Índico.
O grupo analisou em nanoescala as propriedades mecânicas das camadas individuais da carapaça do molusco, que é muito rica em ferro, e usaram os dados para montar um modelo computacional do exoesqueleto do animal.
Simulações feitas em computador dos sistemas protetivos encontrados na natureza permitem a pesquisadores e engenheiros explorar como os animais se defendem ao mesmo tempo que mantêm os movimentos e a regulação das funções corporais.
Os autores examinaram como a concha protege o molusco contra ataques de predadores e verificaram que cada uma das suas três camadas é responsável por um aspecto particular da eficiência da armadura natural. A camada do meio é mais flexível e está localizada entre duas mais resistentes.
A camada mais externa leva mais ferro em sua composição e tem cerca de 30 micrômetros de espessura. A camada média, que chamaram de orgânica, tem até 150 micrômetros. A camada interna é mais espessa, com 250 micrômetros, e é altamente calcificada.
A análise mostrou que o arranjo por camadas, a combinação de diferentes materiais e as microestruturas e geometrias peculiares resultam em um conjunto que protege de forma notadamente eficiente contra a penetração, além de melhorar a dissipação de energia e resistir a dobras e fraturas.
O artigo Protection mechanisms of the iron-plated armor of a deep-sea hydrothermal vent gastropod, de Christine Ortiz e outros, poderá ser lido na Pnas em www.pnas.org.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Desempregados, divorciados e hipotecados

Tem um crédito à habitação da década de zero? Não lhe toque, tudo o que fizer pode e será usado contra si. Perdeu o emprego, o salário, o marido, a mulher? "Lamentamos mas a sua prestação terá de subir. Volte sempre." E volta sempre.
Criticar a banca é sempre fácil, quase sempre é populista e muitas vezes é justo. Depois da crise financeira, apagada com o extintor dos contribuintes, há mesmo espíritos vingativos em alguns políticos, por vezes como manobra de diversão para os seus próprios fracassos. É por isso que os bancos precisam de inverter a imagem que deixaram na sociedade. Mas, na dúvida, precisam ainda mais de melhorar os seus resultados.
A crise financeira foi um invento dos bancos anglo-saxónicos mas os bancos europeus foram bons aprendizes dos erros alheios. Um dos erros clamorosos foi o da prática dos "spreads" zero vírgula qualquer coisa, uma negação do risco que está hoje a sair cara.
O "spread" que se soma às taxas Euribor é simultaneamente um medidor de risco e o lucro do banco. Ao eliminá-lo quase até ao zero, os bancos estavam, portanto, a abdicar de medir risco no seu cliente e da sua margem de lucro. No início, muitos bancos davam com uma mão (a taxa baixa) o que tiravam com a outra (as comissões altas). Mas como os governos lhes foram proibindo as comissões abusivas, as cláusulas leoninas, a impossibilidade de transferência de contratos, essa face oculta do empréstimo foi sendo extinta.
Foi um comportamento predatório contra si mesmos: hoje, grande parte do balanço dos bancos comerciais está amarrado a créditos à habitação de dezenas de anos com "spreads" baixos - e nada pode fazer para contrariá-lo. Os contratos estão assinados, os "direitos adquiridos" são dos clientes.
Excepto os clientes que precisem de alterar condições contratuais do seu crédito. Uma necessidade do cliente é um pretexto para o banco: o "spread" sobe. O "spread" sobe? Então o cliente não altera nada.
Certo?

Errado: há clientes que não têm alternativa. A reportagem de hoje do Negócios mostra casos de desemprego que obrigam a dilatar o prazo do empréstimo. E de divórcios em que o contrato tem de passar de dois para um titular. Neste caso, a taxa de esforço (parte do rendimento afecta ao pagamento das prestações) pode até continuar a ser cumprida, mas mesmo assim a taxa sobe. A oportunidade torna-se oportunismo.

A injustiça está, pois, em que só os aflitos sofrem as revisões penalizadoras dos contratos. Os próprios bancos, que confessam que o desemprego e o divórcio são as principais causas para o crédito malparado na habitação, estão, pois, a contribuir para o ciclo negativo dessas pessoas, ao agravar-lhes a prestação.
Os bancos garantem que aprenderam a lição e que os juros que cobram jamais serão zero, o que cumprirão escrupulosamente até à próxima crise. Nos novos créditos, não há "spreads" invisíveis, o que por enquanto ainda é indolor, dado que as Euribor estão nos mínimos. Quando a economia europeia arribar, as taxas subirão e os bancos portugueses terão novos problemas de malparado.
Acabou o tempo do crédito ao preço da chuva. Mas mesmo hoje só chove em cima das cabeças de alguns clientes. É precisamente a esses que, cumprindo a famosa definição de Mark Twain, o banqueiro pede agora o chapéu-de-chuva de volta.
“Pedro Santos Guerreiro”

Como não fazer um artigo

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Os fundamentos da redação científica tiveram importantes transformações nos últimos anos, mas essas mudanças ainda não foram integralmente assimiladas por grande parte dos pesquisadores, que reproduzem – e muitas vezes ensinam – equívocos teóricos e conceituais que podem até mesmo retardar o avanço da ciência.
Essa é a opinião de Gilson Volpato, professor do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que em seu novo livro, Pérolas da redação científica, analisa criticamente 101 equívocos comuns – ou “pérolas”.
Volpato vem apresentando pelo país cursos sobre redação científica e publicou outros cinco livros sobre o assunto, sendo o mais recente desses Bases teóricas da redação científica ... por que seu artigo foi negado, lançado em 2007.
“Apresento quase um curso por semana sobre o tema, procurando ajudar pesquisadores a conseguir publicações em revistas internacionais de alto nível. Mas também há muitos que, de forma involuntária, têm feito o serviço contrário. Desenvolveu-se, no Brasil, uma cultura de publicação equivocada. Boa parte dos artigos nacionais, mesmo com tradução correta, será recusada em revistas importantes, por terem equívocos conceituais”, disse à Agência FAPESP.
Com a experiência acumulada nos cursos e em seu convívio com o meio acadêmico, Volpato decidiu produzir um inventário dos principais equívocos da redação cientifica. “A ideia foi abordar os erros mais gritantes. O resultado foi essa coleção de ‘pérolas’ da cultura nacional de publicação”, disse.
Na obra, o autor analisa os equívocos, faz conjecturas sobre suas origens, discute suas consequências na prática e oferece correções com base nos padrões internacionais de produção científica.
Segundo ele, os conceitos de comunicação no setor sofreram grande mudança a partir da década de 1990, que se acentuou ainda mais nos últimos dez anos, em parte por causa do advento da internet.
“Muitos pesquisadores cometem equívocos e alegam que estão apenas seguindo os procedimentos adotados por seus orientadores há 30 anos. Mas as coisas mudaram e a comunicação científica evoluiu. Os leitores vão se surpreender, pois muitas das pérolas descritas no livro irão corresponder exatamente ao que eles continuam ouvindo de seus orientadores”, afirmou.
A internet, segundo Volpato, subverteu a lógica das revistas científicas, causando impacto nas necessidades e objetivos dos artigos. “Antes o veículo era o foco. O assinante recebia uma determinada revista científica e ali entrava em contato com diversos artigos. Hoje ocorre o inverso. A pessoa faz uma busca por palavras-chave na internet e chega ao artigo diretamente. Eventualmente, o cientista fica conhecendo a revista por meio do artigo e não o contrário”, disse.
Se antes da internet o leitor precisava ir em busca dos autores, hoje os autores procuram chegar aos leitores. “Antigamente o leitor precisava ir heroicamente atrás dos poucos artigos disponíveis. Mas agora ele precisa fazer uma triagem dos milhares de artigos a que tem acesso. Com isso, a necessidade de se fazer uma comunicação eficiente é muito mais importante – e esse fato está mudando a estrutura dos artigos”, declarou.
Nessa nova lógica, os velhos hábitos de redação científica se transformam em “pérolas” recorrentes, segundo Volpato. Um dos equívocos, por exemplo, é acreditar que o número de referências bibliográficas implica qualidade científica. Outro, consiste em achar que todos os dados coletados no projeto devem fazer parte do texto.
“Vemos equívocos de todos os níveis. Um exemplo é achar que estudos quantitativos são mais robustos que os qualitativos. Outro é acreditar que a redação cientifica exige regras rígidas de estilo – ou que a voz passiva é característica do inglês científico. Achar que o título deve conter, necessariamente, o nome da espécie de estudo. Há também pérolas que são fruto do conservadorismo, como sustentar que introdução e justificativa são itens separados. Ou achar que revistas eletrônicas têm menos prestígio que as impressas”, destacou.

Textos em inglês
Para Volpato, a globalização das revistas científicas de alcance internacional está nivelando as publicações por cima. Essa consequência positiva, entretanto, deverá forçar também para cima o nível de exigência para aceitação dos artigos.
“A maioria das revistas brasileiras, mesmo as que estão na base ISI, é citada apenas por brasileiros. Poucas são, de fato, internacionais e temos que melhorar nosso nível. O primeiro passo, claro, é que a publicação seja em inglês. Temos que compreender que o fato de uma publicação ter alcance internacional tem uma consequência benéfica para a ciência: a seleção dos artigos é feita por pessoas de várias culturas e isso representa um crivo crítico de maior qualidade”, afirmou.
O livro, de acordo com Volpato, é direcionado para a redação científica em geral, incluindo todas as áreas das ciências biológicas, ciências da vida, humanas e exatas.
“O foco está no que chamamos de ciência empírica – que é aquela ciência que precisa de dados para ter conclusões. Portanto, não se aplica muito bem à filosofia, por exemplo. Mas poderá ser utilizado pela maior parte dos pesquisadores das outras áreas”, disse.

•Pérolas da redação científica
Autor: Gilson Volpato
Lançamento: 2010
Preço: R$ 36
Mais informações: www.bestwriting.com.br

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Intrusos catalogados

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – O livro Informe sobre as Espécies Exóticas Invasoras Marinhas no Brasil, lançado em dezembro, é o mais amplo inventário científico produzido até hoje sobre essas espécies que frequentemente se tornam pragas, gerando prejuízos para o país.
Segundo o professor Rubens Lopes, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), editor científico da obra, o objetivo é incentivar a prevenção, o controle e o monitoramento das espécies exóticas invasoras marinhas.
A publicação é resultado de uma parceria entre a USP, a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Marinha do Brasil.
“Desde a Convenção da Diversidade Biológica, assinada durante a conferência Rio 92, a questão das espécies exóticas invasoras começou a ser debatida internacionalmente. E o texto da convenção determinava que as nações deveriam impedir a introdução das espécies exóticas que ameaçassem os ecossistemas e realizar seu controle ou erradicação”, disse à Agência FAPESP.
Uma das decisões da convenção, de acordo com Lopes, que coordena o projeto “Monitoramento de alta resolução de florações de algas tóxicas”, apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, foi a realização de inventários referentes à ocorrência das espécies exóticas invasoras, além da sua prevenção, erradicação e controle.
“Em função disso, em meados de 2003, o MMA decidiu realizar inventários sobre as espécies invasoras em cinco subprojetos: Ambientes Marinhos, Águas Continentais, Ambientes Terrestres, Sistemas de Produção e Saúde Humana”, explicou.
O pesquisador ficou responsável por coordenar o grupo que faria o inventário das espécies marinhas. Em 2005, o MMA realizou, por meio do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica (Probio), um simpósio nacional sobre as espécies exóticas invasoras.
“Com isso, houve uma sinalização de que seria interessante publicar esses resultados. Até que no início de 2008 começou o projeto de publicação. O livro sobre os ambientes marinhos foi o primeiro a ser lançado, pois o relatório do nosso grupo estava mais adiantado. Atualizamos as informações que constavam no relatório do Probio e editamos a obra com apoio técnico do MMA”, disse.
A publicação tem vários capítulos distribuídos em dois grandes conjuntos de dados: um deles relacionado às espécies propriamente ditas e o segundo voltado à estrutura brasileira para enfrentá-las. “São vários autores. Cada capítulo tem um ou mais coordenadores e a participação de estudantes”, contou.
O livro traz uma pequena parte conceitual introdutória, que explica os métodos utilizados para a prospecção das informações e apresenta estatísticas gerais sobre a ocorrência das espécies. “Depois vêm os quatro capítulos temáticos que tratam de diferentes grupos – plânctons, macroalgas, zoobentos e peixes – e o capítulo final que é um diagnóstico sobre a estrutura de prevenção e controle existente no Brasil.”

Transporte marinho
Em termos de volume de informação a maior parte do livro é composta pelas chamadas fichas de espécies. “O livro traz as fichas de 58 espécies identificadas como exóticas, com todas as informações disponíveis sobre elas – a descrição de como ocorreu a introdução, dados sobre a ecologia e a biologia das espécies, informações sobre os registros delas no Brasil e sobre os seus possíveis vetores de introdução e dispersão”, disse Lopes.
Embora o livro apresente 58 espécies exóticas, apenas nove foram caracterizadas como invasoras de fato. “Só definimos uma espécie como invasora quando se trata de um organismo que está causando algum tipo de impacto mensurável, seja ele ecológico, socioeconômico, cultural ou na saúde”, explicou.
O professor do Instituto Oceanográfico da USP destaca que os principais vetores de introdução das espécies marinhas exóticas estão ligados ao transporte marítimo.
“Isso ficou muito claro para nós. O impacto do transporte marinho é muito grande na introdução dessas espécies. E ele ocorre por meio da água de lastro – despejada em quantidades imensas na costa brasileira –, como por incrustação nos cascos de navios e plataformas de petróleo”, disse.
Outro vetor importante, segundo ele, é a aquicultura. “A atividade traz organismos exóticos que acabam sendo lançados no ambiente natural e se tornam invasores”, afirmou.
Uma das espécies exóticas invasoras mencionadas no livro é a macroalga Caulerpa scalpelliformis denticulata, cujo limite de distribuição no Brasil, ao sul, era o Estado do Espírito Santo. Em 2001, a espécie foi documentada na baía de Ilha Grande (RJ). Segundo Lopes, desde seu aparecimento, essa alga vem aumentando rapidamente sua área de distribuição, chegando a deslocar nos costões rochosos a espécie que antes era dominante na região, a Sargassum vulgare.
“Justamente devido à sua propagação rápida e persistente na região, essa pode ser a primeira espécie a merecer a classificação de alga invasora no Brasil. O tráfego de embarcações seria um possível vetor da introdução dessa alga na região. Mas a aquicultura de moluscos e a aquariofilia podem ser vetores alternativos também, devido à beleza da alga, que se adapta muito bem em aquários”, explicou.
Outro destaque é o Isognomon bicolor, um molusco bivalve de origem caribenha que apresentou um aumento súbito de densidade em vários pontos da costa brasileira a partir da metade da década de 1990. De acordo com Lopes, o molusco foi inicialmente confundido com outra espécie da mesma família já registrada na costa brasileira, mas atualmente é considerado invasor.
“Trabalhamos com a hipótese de que a introdução ocorreu entre as décadas de 1970 e 1980 nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. A expansão populacional deve ter ocorrido durante a transição para a década de 1990 com a ampliação da distribuição geográfica da espécie no Brasil e a ocupação dos costões rochosos, disputando espaço e reduzindo drasticamente a presença, antes maciça, de bivalves e de cirripédios”, disse.
O siri Charybdis hellerii, atualmente encontrado em vários Estados, é um exemplo de possível introdução decorrente do aumento do tráfego naval. Pequenos espécimes podem ter sido transportados na água de lastro de navios, segundo Lopes.
“Essa hipótese é corroborada pelo fato de essa espécie ter sido encontrada em áreas onde há grande fluxo de navios petroleiros que partem ou chegam do Oriente Médio. No Sudeste do Brasil, a introdução ocorreu, provavelmente, entre 1993 e 1994. Outra hipótese é que tenha sido introduzido por meio da água de lastro no Caribe e a partir daí as larvas chegaram ao Brasil pelas correntes marinhas”, disse.
O coral Tubastraea tagusensis, de acordo com Lopes, foi introduzido acidentalmente por incrustação em plataformas de petróleo e também, possivelmente, pelo transporte em cascos de navios. “Parece pouco provável que gametas ou plânulas deste gênero possam sobreviver por muito tempo dentro de tanques de lastro, já que suas plânulas são viáveis por um período de três a 14 antes do assentamento”, disse Lopes.
No Brasil, esse gênero é reportado desde o fim da década de 1980, quando foi observado em plataformas na Bacia de Campos. Mais recentemente, o coral dominou costões da região da Ilha Grande, ao sul do estado do Rio de Janeiro. Em agosto de 2008, biólogos do Centro de Biologia Marinha da USP e do Instituto Terra e Mar registraram a ocorrência do gênero Tubastraea em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo.
“O rápido crescimento, a rapidez com que seus pólipos se recuperam e o potencial químico de competição do gênero são características que indicam o alto poder competitivo da espécie, aumentando sua possibilidade de expansão para outras regiões do litoral brasileiro”, disse Lopes.
De acordo com Lopes, o livro não será comercializado, mas distribuído para instituições de ensino e bibliotecas de todo o país. A obra também pode ser adquirida por interessados pelo telefone (61) 3317-1227.

• Informe sobre as Espécies Exóticas Invasoras Marinhas no Brasil
Autor: Rubens Lopes (Editor científico)
Lançamento: 2009
Mais informações: (61) 3317-1227

sábado, 16 de janeiro de 2010

Tudo está mal quando acaba bem

"Lucros privados, prejuízos públicos".
Este foi um dos anátemas da crise financeira 2007-… que jurámos não esquecer. E não esquecemos: aprendemos tão bem a lição que continuamos a praticá-la: afinal a entrada de Isabel dos Santos na Zon destinou-se a dissolver uma golpada de 100 milhões de euros que três portugueses terão feito aos angolanos.
A notícia foi revelada este sábado pelo "Correio da Manhã": o Estado angolano retirou a 28 de Dezembro a queixa-crime contra o advogado Francisco Cruz Martins e os empresários Eduardo Morais e António Figueiredo (este entretanto falecido) no "Caso Banif". Uma semana antes, a filha do Presidente de Angola tinha fechado o acordo para comprar 10% da Zon. Uma coisa foi, afinal, a contrapartida da outra, diz o "Correio": o Estado angolano ameaçava levar o caso até às últimas consequências, exercendo represálias nas relações empresariais, suspendendo autorizações para a Caixa Geral de Depósitos e Sonae abrirem em Angola.
"Tudo está bem quando acaba bem"? Não, neste caso Shakespeare teria de renomear a sua peça, que para uns é comédia, para outros é tragédia.
De facto, tudo acaba bem: o processo criminal, o embaraço político, as ameaças às empresas alheias; a Zon ganha um parceiro com capital e mercado, os seus accionistas vêem as acções valorizar. Como dizem os brasileiros, é "ganha-ganha".
Mas tudo está mal. Está mal a eterna mistura entre política e negócios. Está mal a fraqueza diplomática portuguesa. Está mal o socorro do Estado, através da Caixa, de uma vigarice de privados, assim seja verdadeira a suspeita, como parece crível, segundo as notícias desde o Verão de 2008. Dois dos três visados acabam aliás de devolver o dinheiro que alegadamente extorquiram. O terceiro morreu.
Proença de Carvalho, advogado do empresário de António Figueiredo, advogado de Sócrates e presidente do Conselho de Administração da Zon foi, segundo o "Correio da Manhã", o pivô de todo o negócio. Chame-se polivalência ou promiscuidade, conflito ou conjugação de interesses, é uma forma de estar que em Portugal (e Angola…) parece normal. Armando Vara, na entrevista a Judite de Sousa há algumas semanas, explicou-o candidamente: o seu trabalho era, disse, pôr pessoas a falar umas com as outras, para resolver problemas e solver negócios.

A reputação de Proença protege-o de quaisquer insinuações e efectivamente o problema foi "tratado", aliás em benefício da empresa: a Zon efectivamente ganhou acesso a mercados africanos onde por exemplo a sua "progenitora" PT não singra por falta de empatia com os angolanos, sócios pouco cooperantes na Unitel.
A intromissão da política nos negócios não é todavia apenas conceptual. Os angolanos ameaçaram Portugal por causa de problemas abastardados, que não eram das empresas ameaçadas, muito menos do Estado. Se três homens deram um golpe do baú a Angola, devia ser problema entre eles e ela. Mas a "diplomacia económica" portuguesa é fraca. E Angola, como se viu neste fim-de-semana no ataque à selecção de futebol do Togo, ainda é um País com guerrilheiros e um Estado necessariamente militarizado que conhece a linguagem da ameaça.
O cordeiro pode ter sido a Caixa, como de costume. Vendeu 2,5% da Zon a Isabel dos Santos, assim entregando a partilha do poder da empresa (o máximo de votos de cada accionista é de 10%, que ambos têm). Ainda lhe financiou a compra de 5%, o dobro do que lhe vendeu (e ao trocar acções de uma empresa por créditos para comprá-la está a assumir que pode ganhar menos como accionista do que como credora, o que é bizarro). E vende por 5,3 euros acções que tinha comprado ao Barclays há três anos por 12 euros. O balanço dirá diferente mas vender a 5,3 o que custou 12 não tem outro nome: é prejuízo. De quem? Do Estado.

“Pedro Santos Guerreiro”

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Folclore nacional

"A vidinha nacional está dominada por bimbos e bimbas que adoram dançar ao som da música da tal rádio de Montalegre."
A tal rádio de Montalegre que foi comprada pelo senhor Nuno Cabral e que só transmite folclore transmontano abriu uma excepção e mudou-se de armas e bagagens para a Assembleia da República. O espectáculo não podia ser mais apropriado. Meninos e meninas sentados na galeria, com computadores no colo, muito excitados, assistiam e comentavam em directo nas redes sociais o debate emocionante sobre os casamentos homossexuais. Na rua, uns tantos palhaços vestidos a rigor serviam fatias de bolo de noiva e espumante rasca. A Comunicação Social, também um pouco excitada com tanto espectáculo, não perdia pitada do grande acontecimento, com entrevistas e directos segundo a segundo.
A felicidade pairava no ar. Claro que a tal rádio de Montalegre, que só transmitia folclore transmontano, estava deliciada com a oportunidade de levar aos indígenas tamanha emoção. Para que o espectáculo fosse mesmo genuíno só faltaram uns ranchos folclóricos a dançar a chula do Minho, o fandango ribatejano, o corridinho algarvio e uns cantares alentejanos para descansar os corpos de tanta agitação. E, já agora, para mostrar que os indígenas estavam mesmo felizes, bem podiam ter ido buscar umas dezenas de voluntários do partido do senhor presidente relativo do Conselho que alegraram, a troco de uns passeios e de uns almoços, as arruadas que Sua Excelência andou a fazer por vilas e cidades na última campanha eleitoral. Assim vai este sítio pobre, cada vez mais pobre, deprimido, cada vez mais deprimido, manhoso, hipócrita, corrupto e cada vez mais mal frequentado. Mas a tal rádio de Montalegre, acabada a festa dos casamentos homossexuais, já tem outra missão patriótica em mãos.
Trata-se do pacto de salvação nacional que os bimbos do costume já anunciam entre PS e PSD para o Orçamento do Estado de 2010. Espera-se animados debates exclusivamente dedicados aos acérrimos defensores desse extraordinário pacto redentor da Pátria e de todos os seus pecados. A rádio de Montalegre, que só transmitia folclore transmontano, vai encarregar-se de mandar para o fogo do Inferno quem estiver contra a salvação nacional e promete não falar em trivialidades como desemprego, dívida pública, défice das contas do Estado ou endividamento externo. É assim. A vidinha nacional está dominada por uns bimbos e bimbas que adoram dançar e cantar ao som da música da tal rádio de Montalegre.
António Ribeiro Ferreira, Jornalista

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Primeiros passos

Agência FAPESP – Uma descoberta feita na Polônia acaba de virar de cabeça para baixo a história evolutiva dos vertebrados terrestres de quatro membros, ou tetrápodes.
Um grupo de cientistas concluiu que pegadas encontradas em uma montanha no sudeste do país têm cerca de 395 milhões de anos, ou seja, foram feitas 18 milhões de anos antes do que se estimava ter sido a origem dos tetrápodes. A descoberta foi publicada na edição da revista Nature.
Per Ahlberg, da Universidade de Uppsala, na Suécia, e colegas da Universidade de Varsóvia descrevem no artigo rastros de tamanhos e características variadas, bem como um número de registros isolados de até 26 centímetros de largura, o que indica que os animais teriam cerca de 2,5 metros de comprimento.
Os rastros do Devoniano Médio têm marcas distintas de membros superiores e inferiores e não trazem evidência de marcas do corpo. Ou seja, o animal era quadrúpede e não rastejava.
Os cientistas estimam que os tetrápodes tenham evoluído dos peixes por meio de um estágio intermediário, conhecido como elpistostege, cujos representantes tinham cabeça e corpo de quadrúpede, mas com características de peixes, como nadadeiras no lugar das patas.
As marcas fossilizadas encontradas na Polônia têm pelo menos 10 milhões de anos a mais do que os mais antigos fósseis de elpistostege até hoje descobertos.
De acordo com os autores do novo estudo, a descoberta sugere que os exemplares de elpistostege encontrados não eram as formas de transição entre peixes e tetrápodes como se imaginava. Segundo eles, isso mostra o pouco que ainda se sabe sobre a história primordial dos vertebrados terrestres.
O artigo Tetrapod trackways from the early Middle Devonian period of Poland (Vol 463|7 January 2010 | doi:10.1038/nature08623), de Per Ahlberg e outros, podem ser lidos na Nature em www.nature.com.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Peixes e aves codificados

Por Fábio Reynol

Agência FAPESP – O método de classificação de DNA barcoding, para identificar espécies por trechos de seus genomas apresentados em forma de código de barras, está auxiliando cientistas a descobrir e a mapear peixes e aves em todo o planeta.
Iniciado em 2005, o All Birds Barcoding Initiative (ABBI) pretende montar um arquivo de 10 mil espécies de aves com seus respectivos códigos de barras de DNA. De acordo com o argentino Pablo Tubaro, líder da iniciativa, o método tem apresentado bons resultados e apenas duas espécies não puderam ser identificadas por meio da técnica no continente americano.
“Essa relativa facilidade em identificar aves faz do ABBL um centro gerador de procedimentos para sequenciamentos de outras espécies animais e vegetais”, disse Tubaro, que em dezembro participou do Simpósio Internacional sobre DNA Barcoding do Programa Biota-FAPESP, na sede da Fundação.
O trabalho já permitiu descobertas que vão além da identificação de espécies. Ao fazer o levantamento de populações na América do Sul, os pesquisadores descobriram espécies que estão presentes tanto na região de Yungas, entre a Bolívia e a Argentina, como na vegetação atlântica brasileira, dois sistemas que não possuem ligação atualmente. “Desconfiamos que essas regiões eram ligadas por uma vegetação contínua no passado”, apontou Tubaro.
Graças ao DNA barcoding, os cientistas descobriram, por exemplo, que 99% das espécies de aves presentes no Uruguai estão na Argentina. Das espécies do Sul do Brasil, 94% também estão presentes na Argentina, mas aquele país compartilha apenas 52% de suas aves com a Bolívia. “Isso indica a enorme diversidade de pássaros da Bolívia”, afirmou.
O banco de dados da ABBI pretende ser uma fonte de referência para estudiosos e interessados em pássaros. Segundo Tubaro, a boa qualidade das identificações permite que os dados tenham aplicações que vão desde aplicações em investigações forenses até estudos de biologia evolucionista.
Barbatanas de tubarões

Aplicações inusitadas também ocorrem em outra iniciativa com DNA barcoding, o Fish Barcode of Live Initiative (Fish-BOL). Com auxílio da técnica, pesquisadores que participam do projeto analisaram, por exemplo, várias toxinas do peixe baiacu.
A técnica também permitiu mapear todas as espécies de tubarões que frequentam os mares da Austrália, que foram identificados por meio de características de suas barbatanas.
O canadense Robert Hanner, coordenador do Fish-BOL, conta que o necessita de sistemas robustos de identificação de espécies, o que significa critérios e metodologias padronizadas de coleta de informações e de produção de dados. A solução para essa demanda foi centralizar os trabalhos em uma instituição especialmente projetada para a tarefa.
O Canadian Centre for DNA Barcoding (CCDB), da Universidade de Guelph, em Ontário, foi concebido, segundo Hanner, para ser uma verdadeira “fábrica de barcoding”. “Com ele, conseguimos aumentar a quantidade e a qualidade do sequenciamento”, afirmou.
Os trabalhos do CCDB já garantiram o sequenciamento de 95% dos peixes de água doce do Canadá e 98% dos peixes ornamentais comercializados para aquários. Entre as contribuições desses estudos está a separação de populações que se imaginava serem formadas por uma só espécie. Também foram detectadas espécies idênticas que haviam recebido nomes diferentes quando foram registradas.
Segundo Hanner, o Brasil tem um enorme campo de trabalho em mapeamento de espécies de peixes. Ao mostrar um mapa do país, o pesquisador lembra que as principais espécies já catalogadas com DNA barcoding estão nas regiões Sul e Sudeste.
“Ainda há muito peixe para ser registrado nadando no resto do país”, disse. Ao todo, foram codificados 904 tipos de peixe na América Latina, muito pouco diante de um universo estimado em mais de 8 mil espécies.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Microambiente manipulado

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Não é novidade que o estado de baixo teor de oxigênio em tecidos orgânicos, conhecido como hipóxia, é um fator importante para o câncer, conferindo ao tumor um prognóstico ruim, com baixa resposta a quimioterapias. Mas, até o início da década, praticamente nada se sabia sobre a possibilidade de a hipóxia ocorrer em doenças parasitárias, ou qual o seu efeito no progresso das infecções.
Nos últimos seis anos, um grupo de pesquisas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com a leishmaniose como modelo de estudos, tem feito grandes avanços no sentido de desvendar como o microambiente – com mais ou menos oxigênio – altera as células de tecidos lesionados.
Os pesquisadores descobriram, entre outras coisas, que a oferta de oxigênio para as células pode diminuir as lesões cutâneas causadas pela parasitose que atinge até 30 mil pessoas por ano no Brasil. As pesquisas são coordenadas por Selma Giorgio, professora do Laboratório de Leishmaniose do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
Segundo Selma, a origem das pesquisas está em um trabalho feito por ela em 1998 em colaboração com a professora Ohara Augusto, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP).
"Na época, percebemos que as lesões de animais com leishmaniose eram muito necróticas e tinham infecção secundária com bactérias. Isso nos levou a acreditar que naquela lesão havia um microambiente hipóxico", disse Selma à Agência FAPESP.
Ela aponta que a suspeita se baseou no conhecimento há longo tempo consolidado pelos pesquisadores que estudam câncer. A presença de áreas hipóxicas seria uma característica de carcinomas. "Os tumores de mama, por exemplo, apresentam pressão de oxigênio de cerca de 25 miligramas de mercúrio, enquanto a média encontrada em tecidos normais é de 65 miligramas", disse.
O grupo coordenado por Selma começou, então, a utilizar a leishmaniose como modelo para estudar se as lesões eram de fato hipóxicas. Em 2005, Wagner Arrais-Silva, em seu doutorado, conseguiu confirmar a presença de hipóxia nas lesões. O estudo foi publicado na revista Experimental and Molecular Pathology.
Em maio de 2005, Selma passou a receber apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa, em projeto sobre o tema. "Em paralelo, outros pesquisadores do grupo começaram a estudar o comportamento dos macrófagos, tipo de célula muito importante do sistema imune e hospedeira do parasita Leishmania em ambiente com pouco oxigênio", disse.
Outra pesquisadora do grupo, Adriana Degrossoli, obteve em seu doutorado dados importantes sobre a capacidade de os macrófagos modularem a infecção com o parasita, produzindo proteínas de estresse.
O trabalho foi publicado no Journal of Biomedical Science e posteriormente, em 2006, na Experimental Biology and Medicine. Em 2007, foi apresentado no Encontro Anual da Sociedade Norte-Americana de Biologia Celular, em Washington, nos Estados Unidos.
"Mais recentemente, o grupo mostrou que, in vitro, quando infectados com Leishmania, os macrófagos também produziram o fator de transcrição HIF, expresso em células tumorais e macrófagos associados a tumores. A produção de HIF, conforme constatamos, era importante para manter o macrófago vivo e a infecção", disse. Esse trabalho foi publicado na revista Immunology Letters.


Oxigenação hiperbárica
O grupo, de acordo com Selma, também trabalhou em colaboração com o University College of London, da Inglaterra, para mostrar que o HIF regula, com patógenos intracelulares, a expressão de uma proteína envolvida na resistência à infecção por Leishmania, Salmonella e micobactérias. O trabalho foi publicado na revista Blood, da Sociedade Norte-Americana de Hematologia.
"Em paralelo a esse projeto, nós também tivemos a intenção de modificar o microambiente lesional com uma situação oposta: a oxigenação hiperbárica. Se a hipóxia pode estar influenciando no desenvolvimento da infecção, imaginamos que talvez fosse possível mudar o seu curso ao inverter o microambiente, com uma maior oxigenação", indicou.
Em artigo publicado em 2004 na revista Parasitology International, os pesquisadores descreveram um efeito observado in vitro e uma pequena melhora nas lesões dos animais tratados com hiperbárica.
O grupo continuou otimizando os protocolos de tratamento e testando a possibilidade de utilização da oxigenação hiperbárica como tratamento adjuvante. O trabalho, publicado em 2006 na revista Acta Tropica, mostrou que a terapia de oxigenação de fato reduzia lesões leves causadas por leishmaniose em camundongos.
"Atualmente, colaboramos também com o grupo do professor Fabio Trindade Maranhão Costa, do IB da Unicamp, que estuda o efeito do tratamento hiperbárico em camundongos com malária, cuja infecção afeta as hemácias. O aumento nos níveis de oxigênio no sangue pode ter efeitos tóxicos no parasita", disse Selma.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Mutação decisiva

Agência FAPESP – Embora tenham grande proximidade genética com os humanos, outros primatas como os chimpanzés não desenvolveram a capacidade inata da linguagem e da fala. De acordo com um novo estudo, modificações em aminoácidos de uma proteína associada com o surgimento da linguagem podem explicar por que a fala é única para os seres humanos.
O estudo, realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e da Universidade Emory, em Atlanta, ambas nos Estados Unidos, foi publicado na edição da revista Nature.
Os cientistas acreditam que o gene FOXP2 está ligado à fala e à linguagem, pois, quando ele sofre uma mutação, essas capacidades são afetadas. O estudo indica que pequenas mudanças na proteína do gene podem levar a um efeito cascata que potencialmente influencia o desenvolvimento da fala humana.
A estrutura de aminoácidos do FOXP2 foi evolutivamente conservada, mas a versão do chimpanzé não contém dois aminoácidos específicos que são encontrados na variante humana.
A pesquisa indicou que a diferença de aminoácidos entre as variantes do homem e do chimpanzé altera a função da proteína FOXP2, levando-a a ativar uma rede de genes diferente. Essa mudança na sequência de eventos pode ser suficiente para levar ao desenvolvimento de um sistema de linguagem única nos humanos, sendo responsável pela capacidade de falar.
De acordo com os autores, os resultados do estudo fornecem novos caminhos de investigação sobre a evolução do cérebro humano e podem apontar para possíveis alvos para o desenvolvimento de drogas para doenças humanas caracterizada por perturbações da fala, tais como o autismo e a esquizofrenia.
“Pesquisas preliminares sugeriram que a composição de aminoácidos do FOXP2 humano evoluiu rapidamente mais ou menos ao mesmo tempo em que a linguagem surgiu nos seres humanos modernos”, disse Daniel Geschwind, da Escola de Medicina David Geffen, da UCLA.
“Mostramos que as versões do gene FOXP2 do ser humano e do chimpanzé não apenas parecem diferentes, mas funcionam de maneira diferente também”, disse Geschwind, que atualmente é professor visitante do Instituto de Psiquiatria do King's College de Londres (Reino Unido). “Nossos resultados podem lançar luzes sobre uma questão importante: por que os cérebros humanos nascem com o circuito de fala e linguagem e o cérebro do chimpanzé não.”
O FOXP2 “liga” e “desliga” outros genes. A equipe do laboratório de Geschwind esquadrinhou o genoma para determinar quais genes são alvo do FOXP2 humano. A equipe usou uma combinação de células humanas, tecido humano e tecido cerebral de chimpanzés mortos por causas naturais.
As dissecções de cérebros de chimpanzés foram realizadas no laboratório de Todd Preuss, coautor do estudo e professor associado de neurociências no Centro Nacional de Pesquisas em Primatas da Universidade Emory. O foco do estudo foi a expressão genética – processo pelo qual uma sequência de DNA de um gene é convertida em proteínas celulares. Os cientistas se surpreenderam ao descobrir que as formas do FOXP2 em humanos e em chimpanzés produziam efeitos diferentes sobre os alvos de genes nas linhas celulares humanas.
“Descobrimos que um número significativo dos alvos que foram identificados são expressos de forma diferente em cérebros humanos e chimpanzés. Isso sugere que o FOXP2 leva esses genes a se comportar de maneira diferente nas duas espécies”, disse Geschwind.
A pesquisa demonstra que as mutações, importantes para a evolução do FOXP2 em humanos, alteram as funções do gene. O resultado é que um conjunto diferente genes-alvo é “ligado” ou “desligado” nos cérebros de humanos e de chimpanzés.
“As mudanças genéticas entre a espécie humana e os chimpanzés dão pistas sobre como nossos cérebros desenvolveram as suas capacidades de linguagem”, disse a primeira autora do estudo, Genevieve Konopka, pós-doutoranda em neurologia da Escola de Medicina David Geffen. “Ao identificar os genes influenciados pelo FOXP2, determinamos um novo conjunto de ferramentas para estudar como a fala humana pode ser regulada em nível molecular.”
O artigo Human-specific transcriptional regulation of CNS development genes by FOXP2, de Daniel Geschwind e outros, pode ser lido na Nature em www.nature.com.