terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Microambiente manipulado

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Não é novidade que o estado de baixo teor de oxigênio em tecidos orgânicos, conhecido como hipóxia, é um fator importante para o câncer, conferindo ao tumor um prognóstico ruim, com baixa resposta a quimioterapias. Mas, até o início da década, praticamente nada se sabia sobre a possibilidade de a hipóxia ocorrer em doenças parasitárias, ou qual o seu efeito no progresso das infecções.
Nos últimos seis anos, um grupo de pesquisas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com a leishmaniose como modelo de estudos, tem feito grandes avanços no sentido de desvendar como o microambiente – com mais ou menos oxigênio – altera as células de tecidos lesionados.
Os pesquisadores descobriram, entre outras coisas, que a oferta de oxigênio para as células pode diminuir as lesões cutâneas causadas pela parasitose que atinge até 30 mil pessoas por ano no Brasil. As pesquisas são coordenadas por Selma Giorgio, professora do Laboratório de Leishmaniose do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.
Segundo Selma, a origem das pesquisas está em um trabalho feito por ela em 1998 em colaboração com a professora Ohara Augusto, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP).
"Na época, percebemos que as lesões de animais com leishmaniose eram muito necróticas e tinham infecção secundária com bactérias. Isso nos levou a acreditar que naquela lesão havia um microambiente hipóxico", disse Selma à Agência FAPESP.
Ela aponta que a suspeita se baseou no conhecimento há longo tempo consolidado pelos pesquisadores que estudam câncer. A presença de áreas hipóxicas seria uma característica de carcinomas. "Os tumores de mama, por exemplo, apresentam pressão de oxigênio de cerca de 25 miligramas de mercúrio, enquanto a média encontrada em tecidos normais é de 65 miligramas", disse.
O grupo coordenado por Selma começou, então, a utilizar a leishmaniose como modelo para estudar se as lesões eram de fato hipóxicas. Em 2005, Wagner Arrais-Silva, em seu doutorado, conseguiu confirmar a presença de hipóxia nas lesões. O estudo foi publicado na revista Experimental and Molecular Pathology.
Em maio de 2005, Selma passou a receber apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa, em projeto sobre o tema. "Em paralelo, outros pesquisadores do grupo começaram a estudar o comportamento dos macrófagos, tipo de célula muito importante do sistema imune e hospedeira do parasita Leishmania em ambiente com pouco oxigênio", disse.
Outra pesquisadora do grupo, Adriana Degrossoli, obteve em seu doutorado dados importantes sobre a capacidade de os macrófagos modularem a infecção com o parasita, produzindo proteínas de estresse.
O trabalho foi publicado no Journal of Biomedical Science e posteriormente, em 2006, na Experimental Biology and Medicine. Em 2007, foi apresentado no Encontro Anual da Sociedade Norte-Americana de Biologia Celular, em Washington, nos Estados Unidos.
"Mais recentemente, o grupo mostrou que, in vitro, quando infectados com Leishmania, os macrófagos também produziram o fator de transcrição HIF, expresso em células tumorais e macrófagos associados a tumores. A produção de HIF, conforme constatamos, era importante para manter o macrófago vivo e a infecção", disse. Esse trabalho foi publicado na revista Immunology Letters.


Oxigenação hiperbárica
O grupo, de acordo com Selma, também trabalhou em colaboração com o University College of London, da Inglaterra, para mostrar que o HIF regula, com patógenos intracelulares, a expressão de uma proteína envolvida na resistência à infecção por Leishmania, Salmonella e micobactérias. O trabalho foi publicado na revista Blood, da Sociedade Norte-Americana de Hematologia.
"Em paralelo a esse projeto, nós também tivemos a intenção de modificar o microambiente lesional com uma situação oposta: a oxigenação hiperbárica. Se a hipóxia pode estar influenciando no desenvolvimento da infecção, imaginamos que talvez fosse possível mudar o seu curso ao inverter o microambiente, com uma maior oxigenação", indicou.
Em artigo publicado em 2004 na revista Parasitology International, os pesquisadores descreveram um efeito observado in vitro e uma pequena melhora nas lesões dos animais tratados com hiperbárica.
O grupo continuou otimizando os protocolos de tratamento e testando a possibilidade de utilização da oxigenação hiperbárica como tratamento adjuvante. O trabalho, publicado em 2006 na revista Acta Tropica, mostrou que a terapia de oxigenação de fato reduzia lesões leves causadas por leishmaniose em camundongos.
"Atualmente, colaboramos também com o grupo do professor Fabio Trindade Maranhão Costa, do IB da Unicamp, que estuda o efeito do tratamento hiperbárico em camundongos com malária, cuja infecção afeta as hemácias. O aumento nos níveis de oxigênio no sangue pode ter efeitos tóxicos no parasita", disse Selma.

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