Todo ser humano é um quebra-cabeça composto por muitas peças, cujo cotidiano de milhares de pessoas que circulam pela cidade expõe suas incertezas, alegrias, dúvidas, paixões, dramas e esperanças. Nesses pedaços custam a se encaixar quando se trata dos travestis.
Não vou me meter em filosofias, ou melhor, em filosofadas, pois não podemos nos calar frente a este comportamento raivoso e de segregação. Ora, se fosse possível juntar os preconceitos manifestados contra negros, índios, pobres, homossexuais, garotos de programa, mendigos, gordos, anões, judeus, muçulmanos, orientais e outras minorias, mesmo assim, estaria longe, muito longe, comparar o desprezo rancoroso que a sociedade impõe aos travestis.
Essa mentalidade tacanha, miúda e discriminatória que até então assola parte de nossa sociedade só nos mostra o quão distante estamos da real democracia. Aí está: é um menoscabo à Justiça, haja vista que a nossa Constituição impede o cerceamento, a discriminação e a violação dos direitos, independentemente de seu estilo ou opção sexual.
Pisoteado pelo preconceito, poucos conseguem concluir os estudos elementares. Se para os mais ricos com diploma universitários não é fácil, imagine para eles. Realidade crua, sem artifícios, o máximo que conseguem é lugar de cozinheiro em botequim, varredor de salão de beleza na periferia ou atividade semelhante sem carteira assinada.
A seu favor (sabe-se lá a que preço) ainda consegue alguns trocados fazendo programas sexuais, mostrando-se bastante feminino (através de hormônio), maquiagem para esconder a barba, uma saia mínima com bustiê, sapato alto e um rebolado acrobático que só eles sabem.
Para ficarem “nos trinques”, muitos injetam silicone na face, nas nádegas, nas coxas, mas sem dinheiro para adquirir o de uso médio, fazem-no com silicone industrial comprado em casa de materiais de construção, injetado por pessoas despreparadas, sem qualquer cuidado de higiene. Com o tempo, as conseqüências são nefastas, dando origem à inflamações dolorosas, desfiguradas, difíceis de debelar.
Escarafunchando os meus arquivos, li um artigo do médico Drauzio Varella, como sempre lúcido e coerente em suas afirmações, diz, entre outras considerações, que os hospitais públicos deveriam ser obrigados a criar pelo menos um posto de atendimento especializado com diagnósticos médicos mais comuns entre os travestis: complicação de hormônios femininos e silicone industrial, prevenção e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis.
Será que já não é hora (tarde) de se discutir esse problema absolutamente vergonhoso de anacronismo puro e nocivo? Não, mil vezes não, podemos continuar dando as costas para essa minoria de homens, só porque eles decidiram adotar a identidade feminina, direito de qualquer um.
LINCOLN CARTAXO DE LIRA
(lincolnconsultoria@hotmail.com)
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