domingo, 20 de fevereiro de 2011

O amigo Louçã


Votar uma moção de censura, nesta altura, é optar entre uma estabilidade podre, sem presente nem futuro, e uma mudança incerta. É esta a escolha que Francisco Louçã acaba de lançar para o colo do PSD.
Para se perceber o que terá motivado a iniciativa do líder do Bloco de Esquerda é necessário encontrar resposta para uma pergunta: a quem aproveita uma moção de censura que seja aprovada no Parlamento e provoque a queda do Governo?
Em primeiro lugar, aos respectivos promotores. O Bloco acaba de sair de uma campanha das eleições presidenciais sem honra, nem glória. Com o objectivo de não criar embaraços a Manuel Alegre e de preservar uma aparência de comunhão com o PS, deixou-se apanhar e apagar na armadilha que ajudou a montar. Durante semanas, enquanto a conjuntura fornecia argumentos ao Bloco para se afirmar na oposição ao Governo pela esquerda, Louçã e os seus companheiros tiveram que reprimir os instintos. Arranjaram a mordaça e até se voluntariaram para a colocar. Notável.
Enquanto o Bloco se afundava nas contradições da candidatura de Alegre, o PCP congratulava-se. Não abdicou de aproveitar a oportunidade de marcar o seu espaço durante as presidenciais. Ao contrário do que o Bloco sonhou, não pretendeu ganhar eleições. Queria apenas segurar os seus eleitores e sobreviver. Em matéria de pragmatismo, os comunistas têm provas dadas.
Nesta luta pela preponderância à esquerda, Francisco Louçã tinha que regressar ao terreno. A moção de censura é disso que se trata. Mas as consequências vão para além da necessidade de ganhar apoios ao PCP na conquista do voto de protesto contra o Governo e o PS em eventuais eleições.
Maquiavel não se surpreenderia se o passo dado por Francisco Louçã tivesse sido combinado com o primeiro-ministro e líder do PS. Objectivo? Tramar o PSD. José Sócrates deve ser o líder partidário menos preocupado com o que possa vir aí porque a batata escalda nas mãos de Pedro Passos Coelho. E só nestas. É sobre os ombros do presidente do PSD que pousou a decisão final entre deitar o Governo ao tapete ou continuar a servir-lhe de muleta. Em ambas as hipóteses, os riscos políticos são elevados e a factura pode ser pesada para as ambições de chegar ao poder.
Optar por juntar os seus votos aos que Bloco, PCP e CDS poderão somar em favor da "luz verde" à moção de censura expõe os sociais-democratas à acusação de terem aberto uma crise política em período de graves dificuldades económicas e financeiras no país. Não é necessário ser-se adivinho para se conseguir antecipar que esta seria uma tecla que Sócrates e o PS não deixariam de martelar em proveito próprio. Se há papel para o qual o líder socialista tem vocação é o de "mártir" e, neste caso, o PSD daria uma mãozinha.
Chumbar a moção também não é uma saída isenta de custos potenciais para o PSD. Depois de ter segurado o Governo em sucessivas versões do programa de estabilidade e crescimento, orçamentos do Estado que o Governo não cumpriu e medidas de austeridade que são o preço duro pelos erros cometidos, a compreensão pela "estabilidade" e pela "responsabilidade" pode começar a esgotar-se entre os eleitores que querem ver o PSD como alternativa e não como um balão de oxigénio de José Sócrates e de um Governo desgastado e moribundo.
Por princípio, uma moção de censura é um acto de hostilidade política. Neste caso, Francisco Louçã mostrou ser o melhor aliado de Sócrates.
In: Aspirina B

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