sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A imagem da crise nas contas públicas

A violência e as características da actual crise antecipam um défice público dos mais elevados da história económica recente. Estão reunidas as condições para chegarmos ao fim do ano com um desequilíbrio orçamental superior ao historicamente até agora mais elevado, o de 1993.

Na recessão de 1993, o Ministério das Finanças era liderado por Jorge Braga de Macedo e a Secretaria de Estado do Orçamento estava com a actual líder do PSD, Manuela Ferreira Leite. Até muito tarde, os dois desmentiram a existência de uma derrapagem nas contas públicas. Foi o Banco de Portugal que deu o primeiro alerta.

Olhando hoje para esse tempo, verifica--se que a actividade económica teve a sua mais grave queda no primeiro trimestre de 1993. E o "grave" dessa época foi uma produção 1,4% inferior ao trimestre anterior de 1992.

A actual recessão expôs uma redução da actividade económica de quase 4%.

Esta crise é bastante mais grave e, embora existam alguns factores que moderam a subida do défice, há outros que o agravam e não estavam presentes em 1993.

Uma das grandes diferenças é a evolução dos preços. Em 1993, a taxa de inflação esteve próxima dos 7%. Este ano, os preços devem cair.

O "imposto escondido" que é a inflação não poderá dar o seu contributo positivo para as receitas fiscais, ampliando-se assim a descida da cobrança, por exemplo, do IVA. Preços mais baixos pagam menos IVA.

Se acrescentarmos à queda dos preços o facto de os salários estarem a descer em algumas empresas, temos mais um efeito de redução de receita, no IRS, a somar-se ao impacto da subida do desemprego.

O desemprego, por seu lado, está a subir com uma rapidez invulgar e a atingir níveis historicamente elevados com reflexos significativos já este ano, quer por via da descida receita fiscal, quer através do pagamento de subsídios, como aliás já se verifica nas contas da Segurança Social.

Este último impacto seria muito mais elevado caso o Governo não tivesse tornado as regras do subsídio de desemprego menos generosas que no passado. Até agora tem recusado regressar às regras anteriores, apesar das críticas da oposição, sobretudo no que diz respeito à duração do apoio.

Mas este ou o próximo Executivo poderão ter de recuar caso leve muito tempo o regresso ao trabalho de quem perdeu agora o emprego. O que se perspectiva muito provável, uma vez que é entre os menos qualificados que o desemprego está a subir mais, e é apenas nos que têm mais formação que se está a criar emprego. A poupança que se está a fazer nos subsídios de desemprego - relativamente mais elevada que na crise de 1993 - pode ser, por isso, socialmente insustentável.

Há outras diferenças face ao quadro de 1993 mas que jogam no sentido de moderar a derrapagem do défice público. Toda a reformulação que o Governo fez ao nível das progressões nas carreiras dos funcionários públicos e a reestruturação realizada na Educação limita a derrapage na despesa pública. Mas esta moderação dos gastos pode ser anulada pelas ajudas que esta crise impôs aos bancos e às empresas.

A cinco meses do fim do ano, e apesar de o Governo revelar que está a acompanhar muito de perto as contas públicas - como mostra esta inédita divulgação dos números de toda a administração pública realizada ontem -, o ano de 2009 será marcado por um défice historicamente elevado. Que podia ser pior.


"Helena Garrido"

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