- Eu ontem não ouvi o “honoris causa”, não tive pachorra.
- Qual “honoris causa”?
- Faz de conta que é.
Custou-me a perceber que se tratava de Marcelo Rebelo de Sousa. Eu costumo ter pachorra porque ele dá sempre opiniões virtuosas, vê-se que anda bem informado, que tem tempo para tudo, estuda muito e que até sabe nadar e nada. Só não absorvo muitas vezes a matéria, devido à velocidade da sua argumentação que soa atropelada aos meus ouvidos retardatários. Também na apresentação final dos livros é um desmoronar estonteante de títulos, raramente acrescidos de comentário orientador. Novo-riquismo, acho, para termos Molière sempre presente. Bastava um livro de cada vez, que ele próprio tivesse lido e comentasse.
- Só ouvi aquela coisa em que ele estava a defender um governo de minorias e coligação – insistiu a minha amiga sempre de ideias fixas. Ele não acredita nas maiorias. Parece que se tornam propícias às ditaduras com perda das liberdades conquistada na mudança para a democracia.
A minha amiga é que disse, mas eu não ouvi isso, e ouvi mais do que ela. Suponho que ela estava a subentender o pensamento íntimo do Professor Marcelo na questão das maiorias absolutas, mais do que a reproduzi-lo.
O que eu tinha ouvido mesmo era que ele gostou do discurso da Manuela Ferreira Leite sobre o programa do PSD, de que eu também gostei, e que achou que ela abordou as questões fulcrais de um propósito de governação, como eu também achei. E até lhe fiquei grata por o ter achado como eu.
Mas apressei-me a referir que, à conta disso, o sr. Casimiro Rodrigues nos tinha apelidado de “babacas” e a minha amiga riu-se e recordou telenovelas brasileiras onde se usava muito o termo, decerto desfiguração do nosso “bacoco”, muito menos suave este do que o brasileiro, pelo predomínio dos fonemas oclusivos e fechados. A verdade é que me senti honrada pela companhia do Professor Marcelo nesse apelativo integrante e igualmente intrigante, para a minha sensibilidade confiante nos propósitos das pessoas em quem confio.
A minha amiga também prefere um governo de minorias, mas onde todos fossem chamados a intervir:
- Experimentem misturá-los, a ver se dá alguma coisa. E não se esqueçam da varinha mágica.
Foi, evidentemente, uma imagem caseira esta da varinha, e não evocação dos contos de fadas da sua infância e da minha, porque as fadas desapareceram de vez, só evocadas nos carnavais das criancinhas vestidas à maneira. Mas ressalvámos, respeitosamente, o Dr. Alberto João Jardim como excelente exemplar de fada com varinha, segundo alguns leais vassalos, mesmo fora dos carnavais que ele costuma frequentar com bom desempenho.
A minha amiga admitiu também a hipótese de Sócrates poder revestir-se dessas funções de fada com varinha:
- O nosso Ministro Sócrates ontem fartou-se de inaugurar e os seus ministros. Eu acho que ele vai ganhar, faz muito por isso, numa época de tanta concorrência frenética que estamos a viver.
Estamos, pois, bem longe já da varinha mágica de fazer o puré, que ela tinha alvitrado, misturando ministros das várias etnias ideológicas, por assim dizer. Cada um responsável pela sua pasta, trabalhando para o puré comum, isto é, para a Nação e os cidadãos, interapoiando-se e intervigiando-se, em zelos de honestidade, competência e esforço rentáveis e exigentes de correspondência, em idênticos parâmetros, desses cidadãos, de todos nós. Eu até que concordei.
Mas agora é que nos sentimos ambas mesmo babacas.
"Berta Brás"
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