segunda-feira, 8 de março de 2010

Cidades milenares

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Ao compreender como as cidades da Grécia antiga eram organizadas espacialmente, os arqueólogos podem descobrir muito sobre os sistemas socais, políticos, econômicos e idológicos daquela civilização. Por isso, desde 2004, um grupo de pesquisadores brasileiros tem se dedicado a estudar o ambiente construído das cidades gregas dos períodos arcaico, clássico e helenístico.
Essa linha de pesquisas ganhou um ponto de referência importante a partir de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, agora em sua fase final, que permitiu a pesquisadores do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Universidade de São Paulo (USP) a estruturação do Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga (Labeca).
Além de reunir instrumentos de trabalho para o aprofundamento de pesquisas de base sobre a Grécia antiga – como um amplo acervo de imagens, vídeos, mapas e material bibliográfico – o laboratório fundado em 2006 servirá para formar recursos humanos em diversas áreas do conhecimento, segundo a coordenadora do Labeca e do Temático, Maria Beatriz Florenzano, professora titular do MAE.
“O objetivo principal do projeto era congregar pesquisadores que trabalhavam com a arqueologia da Grécia antiga, mas não tinham oportunidade de dialogar. Delimitamos um eixo temático comum, com foco na organização do espaço da polis. Esse eixo permitiu uma convergência das várias vertentes de estudos. Desse modo, quem tinha interesse em estudar religião passou a estudar a espacialidade da religião grega e assim por diante”, disse à Agência FAPESP.
A principal conquista do projeto, segundo Beatriz, foi a estruturação do laboratório, que permitiu comprar equipamentos, montar uma biblioteca própria e oferecer a pesquisadores brasileiros acesso à documentação reunida no MAE.
Ela destaca que nos últimos dois anos o projeto recebeu apoio da FAPESP para sete bolsas de treinamento técnico. “Além disso, viajamos duas vezes para o exterior, sendo uma delas com uma equipe de dez pessoas. Como a FAPESP financiou várias das passagens e diárias, houve contrapartida da USP, que se dispôs a auxiliar também. A experiência adquirida pelos alunos e pesquisadores nessas viagens foi inestimável”, destacou.
Outro resultado do projeto foi a produção de um DVD, acompanhado de um livro que sintetiza os estudos realizados em algumas das vertentes de pesquisa. O tema do DVD é a antiga cidade grega de Siracusa, na Sicília, atual Itália.
“A cidade foi fundada 700 anos antes de Cristo e está viva até hoje. As pessoas que moram lá precisam conviver com a Siracusa grega, romana e bizantina. O DVD aborda o comportamento dos habitantes atuais ao interagir com essa antiguidade. A malha viária da cidade, por exemplo, é a malha viária grega, feita há mais de dois milênios”, disse.
Um segundo DVD está sendo produzido. “Lançamos também o site do Labeca, que é um instrumento de divulgação importante, por ser bastante atraente para o grande público. No site, estamos aos poucos disponibilizando parte do nosso banco de imagens”, explicou.
A Editora da USP (Edusp) acaba de editar, também, o livro Estudos sobre a cidade antiga, organizado por Beatriz e por Elaine Hirata, também professora do MAE. A obra reúne textos apresentados no 1º Simpósio do Labeca, realizado em 2007. “O livro é uma boa amostra do caráter multifacetado dos estudos sobre o ambiente construído da antiguidade”, indica Beatriz.
Com a massa documental reunida no laboratório, os alunos e pesquisadores do projeto têm uma base importante para o aprofundamento de estudos sobre a cidade grega.
“Estamos agora entrando em uma fase de consolidação do laboratório. Já oferecemos recursos para dar formação aos alunos que hoje pesquisam aqui desde o nível da iniciação científica até o pós-doutorado. Esse pessoal desenvolve pesquisa em conjunto com nossos pesquisadores de nível sênior”, disse Beatriz.
Segundo ela, as mídias digitais são especialmente importantes para os estudos relacionados com a organização espacial das cidades. “Durante as viagens, pudemos fotografar e filmar, in loco, sítios arqueológicos gregos de extrema importância. As mídias digitais são um instrumento importante para que possamos disponibilizar essa documentação visual imensa”, afirmou.
Mais pesquisas
O material disponibilizado pelo laboratório, destaca Beatriz, é uma fonte interminável para novos estudos. A casa grega, por exemplo, pode inspirar inúmeras abordagens de pesquisa.
“Temos uma rica coleção de imagens das casas gregas do período arcaico, clássico e helenístico. Essa coleção pode suscitar muitos temas de pesquisa: pode-se, a partir dela, detectar hierarquias sociais no interior da casa, ou estudar o espaço da mulher na casa, por exemplo. Com isso, vamos cercando a história da Grécia e preenchendo lacunas”, disse.
A longo prazo, o laboratório deverá aumentar o número de pesquisadores especializados no estudo sobre a Grécia antiga. “No Brasil temos muitos especialistas na história de Roma. Em relação à Grécia, temos muitos especialistas em filosofia e em letras. Mas a história da Grécia não é tão comum. A consequência é que o conteúdo sobre a história grega que circula no Brasil corresponde a uma historiografia do começo do século 20, bastante desatualizada”, afirmou.
Segundo a coordenadora do Labeca, a arqueologia incorporou muitos elementos da chamada escola dos Annales, ou História Total – um movimento historiográfico que se interessa por toda a atividade humana, buscando uma unidade das ciências humanas –, e da Nova História, que se interessa pelo cotidiano. Essa tendência também se reflete nas diversas abordagens das pesquisas do Labeca. No entanto, a abordagem predominante no laboratório é a arqueologia da paisagem.
“Entendemos que a paisagem é uma construção do homem. Por outro lado, essa construção interfere no próprio cotidiano humano. Trabalhamos com uma visão macro da distribuição da sociedade no espaço. Não tratamos das casas, por exemplo, de forma isolada. Trabalhamos sua disposição nas ruas e investigamos o que essa disposição significa em termos de organização da sociedade”, disse.
Os estudos são essencialmente multidisciplinares. “Temos arqueólogos e historiadores, principalmente, mas fazemos muitas consultas a geógrafos, porque precisamos de dados sobre a espacialidade. Temos também uma interface muito forte com arquitetos e urbanistas”, disse Beatriz.
“Além disso, temos muita gente com formação em letras e conhecimento do grego antigo. Estamos fazendo uma vasta pesquisa sobre os termos e conceitos gregos relativos ao espaço. Esse glossário remete para um banco de dados que já tem mais de 600 termos – os principais já foram colocados no site”, destacou.

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