Falamos ao tempo sobre a eternidade e nos dizemos satisfeitos com o restante da noite. A efemeridade dos discursos.
‘Pedro Du Bois’
Blog de opinião pessoal, critica, independente e rigorosa em termos de analise problematica das questões. Convidados a participar cidadãos com um pensamento livre e descomprometido com obrigações de seguidismo politico, social ou religioso. Aqui, neste espaço, cada um continua a ter as suas opções pessoais, de forma livre. Cada um sabe de si!!!
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
O 'DIÁLOGO' IMPOSSÍVEL
1. A Plataforma Sindical dos professores exagera quando não aprecia devidamente o recuo e a humildade com que a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, soube emendar a falta de tacto político que a certa altura lhe guiou os passos na introdução da avaliação aos professores. Uma coisa é simplificar processos, reconhecer a existência de problemas na relação avaliador-avaliado, mostrar abertura para dialogar; outra coisa, diferente, seria abdicar completamente de um projecto importante para a melhoria do ensino em Portugal e consequente requalificação do ambiente escolar.
Por muitos erros que tenha cometido - e cometeu alguns - a ministra tem razão no essencial, e a verdade é que começa a ser evidente para a opinião pública que há uma parte significativa dos professores que não quer qualquer avaliação. Essa parte da classe protesta o contrário mas, no fundo, claramente pretende o regresso ao passado de uma escola onde os professores bons e maus conviviam como se fossem frutos da mesma árvore.
Não são.
E, pelo meio, os sindicatos, com a Fenprof à cabeça, mais do que a paz nas escolas, para descanso dos pais e devida classificação dos alunos, apostam num braço-de-ferro político com o Governo.
Há um limite para tudo. Nesta questão, depois dos desenvolvimentos das últimas semanas, nomeadamente após a confissão de humildade da ministra, chegou o momento de dizer que o Governo não pode nem deve recuar mais. Os sindicatos e as corporações já governaram Portugal durante décadas. O resultado está à vista - e obviamente não apenas nas escolas. Desse "diálogo" já houve que chegue.
2. Um governo democrático, legítimo, ainda para mais com maioria absoluta, deve lutar pelas suas convicções, ver para além das dificuldades do presente.
É certo que, num primeiro momento, o ministério avaliou mal a carga de trabalho que estava a colocar sobre os docentes nesta fase. Um processo destes deve ser implementado por fases e sobretudo analisando bem a qualidade média da população a que se destina. Essa avaliação falhou.
Agora, em sentido inverso, falha a percepção que os professores têm do seu lugar na sociedade.
Uma escola não se faz para os professores, como um tribunal não existe para os juízes e advogados ou um jornal para os jornalistas. Uma escola funciona para servir uma comunidade e, sobretudo, para formar gente melhor e mais qualificada. É neste âmbito que os professores devem ver a sua acção e perceber a missão do Estado.
A proposta da auto-avaliação, assente na assiduidade, feita agora pelos sindicatos para "fechar" este ano, é obviamente inaceitável. Quem está de fora e de boa-fé entende que a solução a encontrar não pode ferir a face de qualquer das duas partes. A dos professores, fruto da sua indignação e protesto, acabou por ser garantida. Mas esta obstinação dos sindicatos fere a legitimidade do Governo e a convicção da ministra. Mário Nogueira trai-se quando diz que Sócrates "se quer guerra, vai tê- -la". Para o professor sindicalista da CGTP o objectivo é fazer capitular o Governo. No dia em que os professores, de uma maneira geral, assumirem este objectivo perderão a simpatia que a determinada altura ganharam com a seu indignação. Vamos a ver se o compreendem a tempo.
O PSD ainda não sabe o que fazer na questão do Estatuto dos Açores (vota com Sócrates ou por Cavaco?...) mas já sabe como reparar a mais recente e notória "balda" dos seus deputados: vai apresentar um projecto de lei a propor a suspensão da avaliação aos professores ("defendendo naturalmente sempre a avaliação", no dizer de Paulo Rangel)! Uma vergonha tapa-se com a demagogia mais básica. E assim vai a política à portuguesa.
'João Marcelino'
Por muitos erros que tenha cometido - e cometeu alguns - a ministra tem razão no essencial, e a verdade é que começa a ser evidente para a opinião pública que há uma parte significativa dos professores que não quer qualquer avaliação. Essa parte da classe protesta o contrário mas, no fundo, claramente pretende o regresso ao passado de uma escola onde os professores bons e maus conviviam como se fossem frutos da mesma árvore.
Não são.
E, pelo meio, os sindicatos, com a Fenprof à cabeça, mais do que a paz nas escolas, para descanso dos pais e devida classificação dos alunos, apostam num braço-de-ferro político com o Governo.
Há um limite para tudo. Nesta questão, depois dos desenvolvimentos das últimas semanas, nomeadamente após a confissão de humildade da ministra, chegou o momento de dizer que o Governo não pode nem deve recuar mais. Os sindicatos e as corporações já governaram Portugal durante décadas. O resultado está à vista - e obviamente não apenas nas escolas. Desse "diálogo" já houve que chegue.
2. Um governo democrático, legítimo, ainda para mais com maioria absoluta, deve lutar pelas suas convicções, ver para além das dificuldades do presente.
É certo que, num primeiro momento, o ministério avaliou mal a carga de trabalho que estava a colocar sobre os docentes nesta fase. Um processo destes deve ser implementado por fases e sobretudo analisando bem a qualidade média da população a que se destina. Essa avaliação falhou.
Agora, em sentido inverso, falha a percepção que os professores têm do seu lugar na sociedade.
Uma escola não se faz para os professores, como um tribunal não existe para os juízes e advogados ou um jornal para os jornalistas. Uma escola funciona para servir uma comunidade e, sobretudo, para formar gente melhor e mais qualificada. É neste âmbito que os professores devem ver a sua acção e perceber a missão do Estado.
A proposta da auto-avaliação, assente na assiduidade, feita agora pelos sindicatos para "fechar" este ano, é obviamente inaceitável. Quem está de fora e de boa-fé entende que a solução a encontrar não pode ferir a face de qualquer das duas partes. A dos professores, fruto da sua indignação e protesto, acabou por ser garantida. Mas esta obstinação dos sindicatos fere a legitimidade do Governo e a convicção da ministra. Mário Nogueira trai-se quando diz que Sócrates "se quer guerra, vai tê- -la". Para o professor sindicalista da CGTP o objectivo é fazer capitular o Governo. No dia em que os professores, de uma maneira geral, assumirem este objectivo perderão a simpatia que a determinada altura ganharam com a seu indignação. Vamos a ver se o compreendem a tempo.
O PSD ainda não sabe o que fazer na questão do Estatuto dos Açores (vota com Sócrates ou por Cavaco?...) mas já sabe como reparar a mais recente e notória "balda" dos seus deputados: vai apresentar um projecto de lei a propor a suspensão da avaliação aos professores ("defendendo naturalmente sempre a avaliação", no dizer de Paulo Rangel)! Uma vergonha tapa-se com a demagogia mais básica. E assim vai a política à portuguesa.
'João Marcelino'
O HOMEM QUE DECRETOU O FIM DA CÓLERA
Robert Mugabe disse esta semana: "Estou feliz por ter acabado com a cólera." Ao mesmo tempo, a ONU fez outro balanço: a cólera continua, já fez quase 800 mortos e 16 mil pessoas estão na lista de espera. As duas declarações são produto de duas concepções filosóficas diferentes. Há os homens de pouca fé, demasiado agarrados à ditadura dos factos - infelizmente a mais alta instância internacional está cheia desses cínicos. E, depois, há os visionários que acreditam que o fim da cólera é quando o homem quiser. Mugabe é um desses.
A direcção de um país dá a certos políticos o exercício de um poder que os aparenta a deuses: o decreto. Nos anos 60, Salazar aboliu a prostituição. Os homens de pouca fé de então também sorriram, a pretexto da suposta ineficácia da medida. Mas, na verdade, Salazar acabou com a prostituição: tendo decretado que as prostitutas acabaram, elas acabaram. Talvez tenha continuado a haver mulheres nas esquinas do Martim Moniz, que subiam aos quartos das pensões manhosas com homens desconhecidos, talvez tivessem relações sexuais a troco de uma nota de 50 escudos, talvez, mas o facto era inquestionável: as prostitutas tinham deixado de existir. Como prova, havia o tal decreto.
Mais próximo de Mugabe, outro homem de vontade incomensurável: o Imperador Jean- -Bedel Bokassa, da República Centro Africana, também adepto do decreto como arma de construção massiva de ilusões. Um dia, em 1976, ele decretou: "Está abolida a burguesia." E a verdade é que da burguesia centro-africana nunca mais ninguém ouviu falar. Essa é que é essa. O mesmo acontecerá provavelmente com a cólera zimbabwiana. Um decreto é uma medida de fundo. Deixem o Mugabe continuar a decretar e poderemos estar certos de que acabará com a cólera zimbabwiana. E também com os zimbabwianos, aliás.
Como estão lembrados, na Cimeira Euro-Africana de Lisboa, há um ano, a maioria dos países africanos opuseram-se a sanções a Mugabe. Ele fazia mal aos seus, é certo, mas aquilo era um problema interno. A questão actual é que o jeito tão dele de tratar os seus conterrâneos exporta o problema. As regiões fronteiras na África do Sul e em Moçambique foram declaradas zonas de calamidade.
E a cólera na África do Sul e em Moçambique é um problema muito mais grave do que no Zimbabwe: os decretos de Mugabe não têm efeito além-fronteiras. Ele bem pode decretar: "A partir desta data fica abolida a cólera na região de Manica", mas isso não surte efeito naquela região moçambicana. A poção mágica dos visionários geralmente só vai onde chega o bastão dos seus polícias.
A solução não está em combater Mugabe mas em adoptar-lhe a táctica: o que os dirigentes africanos deviam fazer era decretar. O fim de Mugabe, claro.
'Ferreira Fernandes'
A direcção de um país dá a certos políticos o exercício de um poder que os aparenta a deuses: o decreto. Nos anos 60, Salazar aboliu a prostituição. Os homens de pouca fé de então também sorriram, a pretexto da suposta ineficácia da medida. Mas, na verdade, Salazar acabou com a prostituição: tendo decretado que as prostitutas acabaram, elas acabaram. Talvez tenha continuado a haver mulheres nas esquinas do Martim Moniz, que subiam aos quartos das pensões manhosas com homens desconhecidos, talvez tivessem relações sexuais a troco de uma nota de 50 escudos, talvez, mas o facto era inquestionável: as prostitutas tinham deixado de existir. Como prova, havia o tal decreto.
Mais próximo de Mugabe, outro homem de vontade incomensurável: o Imperador Jean- -Bedel Bokassa, da República Centro Africana, também adepto do decreto como arma de construção massiva de ilusões. Um dia, em 1976, ele decretou: "Está abolida a burguesia." E a verdade é que da burguesia centro-africana nunca mais ninguém ouviu falar. Essa é que é essa. O mesmo acontecerá provavelmente com a cólera zimbabwiana. Um decreto é uma medida de fundo. Deixem o Mugabe continuar a decretar e poderemos estar certos de que acabará com a cólera zimbabwiana. E também com os zimbabwianos, aliás.
Como estão lembrados, na Cimeira Euro-Africana de Lisboa, há um ano, a maioria dos países africanos opuseram-se a sanções a Mugabe. Ele fazia mal aos seus, é certo, mas aquilo era um problema interno. A questão actual é que o jeito tão dele de tratar os seus conterrâneos exporta o problema. As regiões fronteiras na África do Sul e em Moçambique foram declaradas zonas de calamidade.
E a cólera na África do Sul e em Moçambique é um problema muito mais grave do que no Zimbabwe: os decretos de Mugabe não têm efeito além-fronteiras. Ele bem pode decretar: "A partir desta data fica abolida a cólera na região de Manica", mas isso não surte efeito naquela região moçambicana. A poção mágica dos visionários geralmente só vai onde chega o bastão dos seus polícias.
A solução não está em combater Mugabe mas em adoptar-lhe a táctica: o que os dirigentes africanos deviam fazer era decretar. O fim de Mugabe, claro.
'Ferreira Fernandes'
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
O Nobel da literatura que os soviéticos tentaram evitar
Há 50 anos, em plena Guerra-fria, a Academia Sueca atribuía o Nobel da Literatura a Boris Pasternak por causa de um livro, uma história de amor entre um médico poeta e uma filha da aristocracia com a Revolução de Outubro como triste pano de fundo. Dr. Jivago tornou-se um dos romances mais populares do séc. XX mas a União Soviética deixou o autor morrer sem colher os louros.
Era uma vez outro tempo. Há meio século, numa era em que o mundo se dividia em dois e a literatura tinha tanta importância que os governos se sentiam ameaçados pelos escritores. Num gesto que, sem deixar de ser político, tinha a sua justificação literária, a Academia Sueca entregava o Nobel da Literatura a Boris Leonodovich Pasternak, poeta popularíssimo entre os russos que, em 1957, tinha conseguido contrabandear para o Ocidente um fresco desencantado sobre a União Soviética, com a Revolução de Outubro como pano de fundo.
O livro vinha impregnado da aura romântica das obras que conseguem ver a luz do dia apesar de todas as vicissitudes. Escrito na Rússia ao longo de quase quatro décadas é, ao mesmo tempo, um manifesto de amor à arte como fim em si mesmo, uma história de amor grandiosa, um épico histórico sobre a União Soviética que se ergue sobre os escombros dourados da Rússia dos czares e uma obra súmula das preocupações do seu autor.
Pasternak, a quem a política e os grandes movimentos sociais interessavam menos do que a arte em si, o mundo não se moldava pelo homem e as suas acções; influenciado essencialmente por correntes de amor, fé e destino, o mundo tinha pouco de construção e mais de consequência das vidas de cada indivíduo. Como o amor entre o Dr. Jivago e Lara, belo e trágico, quase sempre adiado, ao sabor dos destinos que se entrechocam e cujo idealismo sucumbe diante dos horrores que vão cometendo os exércitos Vermelho e Branco.
A existência do Dr. Jivago tem muito a ver com o destino escolhido pelo escritor. Nascido numa família de artistas judeus da cosmopolita Moscovo do final do século XX, filho do pintor Leonid Pasternak e da pianista Raitza Kaufman, Boris Pasternak pertencia a uma estirpe desprezada pela Revolução de Outubro.
Tendo crescido entre alguns dos maiores vultos da cultura da viragem do século - como Rainer Maria Rilke, visita lá de casa, de quem depois se tornaria grande admirador e tradutor - e apesar da maior parte dos seus familiares ter optado pelo exílio depois do triunfo Vermelho em 1917, o escritor preferiu ficar.
Por ter tomado essa decisão, por essa curiosidade intelectual em relação à experiência bolchevique primeiro e depois por temer que nunca mais o deixassem regressar, viu os seus pais pela última vez em 1922, quando recebeu autorização para os visitar em Berlim.|
Contrabandeado desde Moscovo por um jovem italiano desencantado com a sua experiência soviética, Sergio D'Angelo; editado em Itália pela primeira vez numa pequena editora de um playboy comunista a que os acontecimentos na Hungria tinham abalado a fé na União Soviética, Giangiacomo Feltrinell; o Dr. Jivago só viu a luz do dia e teve este impacto e de forma tão rápida pela capacidade do editor em resistir às pressões e visão de marketing.
Ao saber da notícia do Nobel, Pasternak enviou um telegrama para Estocolmo: "Extremamente agradecido, comovido, orgulhoso, surpreendido, atónito". Quatro dias depois, pressionado pelas autoridades soviéticas, recusaria o prémio: "Considerando o significado atribuído a este prémio na sociedade a que pertenço, tenho de o recusar. Por favor, não se ofendam com a minha rejeição voluntária".
'António Rodrigues'
Era uma vez outro tempo. Há meio século, numa era em que o mundo se dividia em dois e a literatura tinha tanta importância que os governos se sentiam ameaçados pelos escritores. Num gesto que, sem deixar de ser político, tinha a sua justificação literária, a Academia Sueca entregava o Nobel da Literatura a Boris Leonodovich Pasternak, poeta popularíssimo entre os russos que, em 1957, tinha conseguido contrabandear para o Ocidente um fresco desencantado sobre a União Soviética, com a Revolução de Outubro como pano de fundo.
O livro vinha impregnado da aura romântica das obras que conseguem ver a luz do dia apesar de todas as vicissitudes. Escrito na Rússia ao longo de quase quatro décadas é, ao mesmo tempo, um manifesto de amor à arte como fim em si mesmo, uma história de amor grandiosa, um épico histórico sobre a União Soviética que se ergue sobre os escombros dourados da Rússia dos czares e uma obra súmula das preocupações do seu autor.
Pasternak, a quem a política e os grandes movimentos sociais interessavam menos do que a arte em si, o mundo não se moldava pelo homem e as suas acções; influenciado essencialmente por correntes de amor, fé e destino, o mundo tinha pouco de construção e mais de consequência das vidas de cada indivíduo. Como o amor entre o Dr. Jivago e Lara, belo e trágico, quase sempre adiado, ao sabor dos destinos que se entrechocam e cujo idealismo sucumbe diante dos horrores que vão cometendo os exércitos Vermelho e Branco.
A existência do Dr. Jivago tem muito a ver com o destino escolhido pelo escritor. Nascido numa família de artistas judeus da cosmopolita Moscovo do final do século XX, filho do pintor Leonid Pasternak e da pianista Raitza Kaufman, Boris Pasternak pertencia a uma estirpe desprezada pela Revolução de Outubro.
Tendo crescido entre alguns dos maiores vultos da cultura da viragem do século - como Rainer Maria Rilke, visita lá de casa, de quem depois se tornaria grande admirador e tradutor - e apesar da maior parte dos seus familiares ter optado pelo exílio depois do triunfo Vermelho em 1917, o escritor preferiu ficar.
Por ter tomado essa decisão, por essa curiosidade intelectual em relação à experiência bolchevique primeiro e depois por temer que nunca mais o deixassem regressar, viu os seus pais pela última vez em 1922, quando recebeu autorização para os visitar em Berlim.|
Contrabandeado desde Moscovo por um jovem italiano desencantado com a sua experiência soviética, Sergio D'Angelo; editado em Itália pela primeira vez numa pequena editora de um playboy comunista a que os acontecimentos na Hungria tinham abalado a fé na União Soviética, Giangiacomo Feltrinell; o Dr. Jivago só viu a luz do dia e teve este impacto e de forma tão rápida pela capacidade do editor em resistir às pressões e visão de marketing.
Ao saber da notícia do Nobel, Pasternak enviou um telegrama para Estocolmo: "Extremamente agradecido, comovido, orgulhoso, surpreendido, atónito". Quatro dias depois, pressionado pelas autoridades soviéticas, recusaria o prémio: "Considerando o significado atribuído a este prémio na sociedade a que pertenço, tenho de o recusar. Por favor, não se ofendam com a minha rejeição voluntária".
'António Rodrigues'
O que se segue no processo da avaliação
A ministra da Educação cometeu vários erros na imposição de um sistema de avaliação aos professores. Entre eles, a má comunicação do processo, associada às críticas constantes e destrutivas para a classe e ainda a complicação e burocratização do modelo que, tendo em conta o que entretanto Maria de Lurdes Rodrigues já admitiu e modificou, não tinha sido testado. Se somarmos a tudo isto o facto de as divergências já virem de trás, face às alterações impostas pela reforma da educação (aulas de substituição, inglês obrigatório no primeiro ciclo, escolas abertas até mais tarde, etc.), percebe-se que houve alguma falta de bom senso a lidar com o problema e que o Governo parece não ter aprendido a lição com as polémicas que levaram à saída de Correia de Campos da pasta da Saúde e que a actual ministra entretanto soube calar.
Mas todos estes factos não retiram a razão à ministra e à sua política (prioritária para o País) e muito menos validam a actuação dos professores e dos sindicatos que os representam nas recentes formas de contestação. Ainda que tarde de mais, o Ministério da Educação cedeu às principais críticas: simplificou o modelo, adiou os efeitos da sua aplicação, alterou muitas das suas permissas e sentou-se à mesa para negociar. Ontem mesmo, em dia de uma greve que prejudicou pais e alunos, abriu mais uma porta, com o anúncio de que admitia prorrogar o prazo do processo de transição, aplicando-o só no próximo ano lectivo.
Mas sindicatos e professores insistiram numa posição de irredutibilidade inadmissível. Rogando-se o direito de impor condições ao Governo para negociar e resumindo tudo a uma única exigência: a suspensão da avaliação, afinal aquilo que os professores rejeitam em absoluto e não o seu modelo. Perante tamanha intransigência, ao Governo resta aplicar as consequências, responsabilizando os professores pelos seus actos, o que impedirá milhares de progredir na carreira. Porque com radicais, mesmo muitos, é impossível negociar.
'Editorial do DN de 04-12-2008'
Mas todos estes factos não retiram a razão à ministra e à sua política (prioritária para o País) e muito menos validam a actuação dos professores e dos sindicatos que os representam nas recentes formas de contestação. Ainda que tarde de mais, o Ministério da Educação cedeu às principais críticas: simplificou o modelo, adiou os efeitos da sua aplicação, alterou muitas das suas permissas e sentou-se à mesa para negociar. Ontem mesmo, em dia de uma greve que prejudicou pais e alunos, abriu mais uma porta, com o anúncio de que admitia prorrogar o prazo do processo de transição, aplicando-o só no próximo ano lectivo.
Mas sindicatos e professores insistiram numa posição de irredutibilidade inadmissível. Rogando-se o direito de impor condições ao Governo para negociar e resumindo tudo a uma única exigência: a suspensão da avaliação, afinal aquilo que os professores rejeitam em absoluto e não o seu modelo. Perante tamanha intransigência, ao Governo resta aplicar as consequências, responsabilizando os professores pelos seus actos, o que impedirá milhares de progredir na carreira. Porque com radicais, mesmo muitos, é impossível negociar.
'Editorial do DN de 04-12-2008'
O fantasma cavaquista
De cada vez que se abate um escândalo sobre algumas empresas parece que assistimos àqueles programas televisivos em que se procuram antigas vedetas desaparecidas. Levantamos as pedras de um banco nacional e saem de lá, como lacraus atarantados, dezenas de ex-ministros e ex-secretários de Estado. O PSD trata mais a banca e o PS prefere a construção civil. Mas a regra não é linear.
O pedregulho mais interessante está a ser o do BPN. Foi ali que repousou a nata do cavaquismo na sua travessia por desertos marroquinos e escapadelas a Porto Rico, passando por "off-shores" com nomes pomposos.
O cavaquismo foi o tempo de todas as oportunidades. O dinheiro entrava no país e evaporava-se em obras públicas, é verdade, mas também em cursos de formação-fantasma, em universidades privadas manhosas e numa casta de novíssimos ricos. Foi assim que o cavaquismo morreu. Submerso em escândalos pequenos e grandes, de que o jornal de Paulo Portas dava conta, com pontualidade semanal. Depois da experiência o PSD nunca mais foi o mesmo. O país, esse, perdeu a sua última oportunidade histórica. Aquele dinheiro nunca mais volta e estamos hoje na cauda da cauda da Europa. Acabou a festa e vivemos a ressaca.
O tempo passou e não há nada que o tempo não cure. A "entourage" de Cavaco mandou limpar os fatos um pouco enlameados. Transformaram-se em respeitáveis empresários e excelentíssimos senadores da nação. Mas se é verdade que tempo cura tudo, não é menos verdade que com ele tudo volta. E os cavaquistas voltaram para ensombrar a beatificação do seu austero patrono.
Ao ouvir os relatos do que se passava no BPN, contados na primeira pessoa por Dias Loureiro, tivemos o privilégio de olhar pelo buraco da fechadura. Loureiro era administrador na Sociedade Lusa de Negócios (adoro este nome) e diz que sabia do que se passava no seu grupo pelos "bruaás" que lia nos jornais e ouvia nos salões. Ouvia os "bruaás" mas continuava a assinar as contas, porque estava rodeado de pessoas em quem "confiava cegamente". Fazia queixas ao Banco de Portugal em conversas informais - diz ele, que o vice da entidade reguladora diz exactamente o contrário - e continuava, na sua infinita ingenuidade, a assinar tudo por baixo. Fazia negócios e não sabia onde estava o dinheiro dos negócios. Despachava sozinho com Oliveira Costa, porque por lá não havia reuniões. E, mesmo não achando nada disto normal, deixava andar.
Cada um acreditará ou não nas interessantes histórias de Dias Loureiro. Mas uma coisa é certa: o seu nome está no meio deste furacão. O seu e o de muitas figuras centrais da constelação cavaquista. O Presidente sabe disso e, muito legitimamente, enviou insistentes sinais de fumo a Loureiro. Ao nada discreto incómodo do Presidente, Loureiro respondeu com uma visita sem convite a Belém, colando ainda mais Cavaco Silva ao seu infortúnio. Nada a fazer: o Presidente, que se preparava para um fim de carreira sem sobressaltos, enfrenta agora os fantasmas do passado. Para desespero de Cavaco e do PSD, o cavaquismo voltou para o ensombrar. É a criatura a tentar regressar ao regaço do criador.
'Daniel Oliveira'
O pedregulho mais interessante está a ser o do BPN. Foi ali que repousou a nata do cavaquismo na sua travessia por desertos marroquinos e escapadelas a Porto Rico, passando por "off-shores" com nomes pomposos.
O cavaquismo foi o tempo de todas as oportunidades. O dinheiro entrava no país e evaporava-se em obras públicas, é verdade, mas também em cursos de formação-fantasma, em universidades privadas manhosas e numa casta de novíssimos ricos. Foi assim que o cavaquismo morreu. Submerso em escândalos pequenos e grandes, de que o jornal de Paulo Portas dava conta, com pontualidade semanal. Depois da experiência o PSD nunca mais foi o mesmo. O país, esse, perdeu a sua última oportunidade histórica. Aquele dinheiro nunca mais volta e estamos hoje na cauda da cauda da Europa. Acabou a festa e vivemos a ressaca.
O tempo passou e não há nada que o tempo não cure. A "entourage" de Cavaco mandou limpar os fatos um pouco enlameados. Transformaram-se em respeitáveis empresários e excelentíssimos senadores da nação. Mas se é verdade que tempo cura tudo, não é menos verdade que com ele tudo volta. E os cavaquistas voltaram para ensombrar a beatificação do seu austero patrono.
Ao ouvir os relatos do que se passava no BPN, contados na primeira pessoa por Dias Loureiro, tivemos o privilégio de olhar pelo buraco da fechadura. Loureiro era administrador na Sociedade Lusa de Negócios (adoro este nome) e diz que sabia do que se passava no seu grupo pelos "bruaás" que lia nos jornais e ouvia nos salões. Ouvia os "bruaás" mas continuava a assinar as contas, porque estava rodeado de pessoas em quem "confiava cegamente". Fazia queixas ao Banco de Portugal em conversas informais - diz ele, que o vice da entidade reguladora diz exactamente o contrário - e continuava, na sua infinita ingenuidade, a assinar tudo por baixo. Fazia negócios e não sabia onde estava o dinheiro dos negócios. Despachava sozinho com Oliveira Costa, porque por lá não havia reuniões. E, mesmo não achando nada disto normal, deixava andar.
Cada um acreditará ou não nas interessantes histórias de Dias Loureiro. Mas uma coisa é certa: o seu nome está no meio deste furacão. O seu e o de muitas figuras centrais da constelação cavaquista. O Presidente sabe disso e, muito legitimamente, enviou insistentes sinais de fumo a Loureiro. Ao nada discreto incómodo do Presidente, Loureiro respondeu com uma visita sem convite a Belém, colando ainda mais Cavaco Silva ao seu infortúnio. Nada a fazer: o Presidente, que se preparava para um fim de carreira sem sobressaltos, enfrenta agora os fantasmas do passado. Para desespero de Cavaco e do PSD, o cavaquismo voltou para o ensombrar. É a criatura a tentar regressar ao regaço do criador.
'Daniel Oliveira'
A direita de Novembro
A cena repete-se todos os anos: no dia 25 de Novembro, a direita portuguesa celebra a derrota do comunismo. O 25 de Novembro (25/11) é a oportunidade para os direitistas elaborarem uma inconsequente birra ideológica. Se deixasse de lado esta teatralidade, a direita talvez percebesse que o 25/11 é a causa principal da ilegitimidade das ideias liberais e conservadoras em Portugal. A inferioridade moral imposta à direita portuguesa não advém do 25 de Abril, mas sim do 25/11.
Nos anos do PREC, uma estranha forma de pluralismo circulava de boca em boca: o 'pluralismo socialista'. Aqueles que lutavam contra o 'socialismo autoritário' do PCP defendiam, em alternativa, um 'pluralismo socialista'. Na prática, isto significava o quê? Bom, significava que Portugal deveria ter vários partidos políticos, mas todos esses partidos tinham de ser socialistas. Mas que pluralismo poderia existir quando toda a gente era obrigada a ser socialista? Ora, o 25/11 consagrou este estranho pluralismo. Isto porque o PCP conseguiu impor um acordo que marcou a vida do regime até aos nossos dias. Os comunistas desistiram da ditadura comunista de partido único e aceitaram a democracia pluralista, mas, em troca, exigiram que todos os partidos tinham de respeitar a via socialista.
Foi este acordo que transformou este regime na coisa monocórdica que conhecemos. Foi este pacto entre o 'socialismo autoritário' e o 'socialismo pluralista' que deu o carácter apolítico e antipluralista à nossa democracia. Em 2008, ainda não existe um real pluralismo ideológico. Trinta e três anos depois, o nosso leque de escolhas continua a resumir-se ao 'socialismo pluralista' (PS, CDS e PSD) e ao socialismo demagógico (PCP e BE), a versão suave do velho 'socialismo autoritário'. O 25/11 matou a política em Portugal. Ficou tudo decidido ali. Vários partidos, mas uma só ideologia: o estado socialista.
Desde cedo, o estado socialista começou a seduzir a direita para o harém do regime: o Orçamento Geral do Estado. Lugares almofadados na administração pública para tecnocratas, pareceres faustosos para escritórios de advogados e negócios faraónicos para empresários, eis o que o harém tem oferecido à direita desde 1975. E a direita vive numa condição de inferioridade moral e ideológica porque aceitou ser comprada. Várias colecções de advogados e empresários gostam de dizer que são de direita em tertúlias pós-laborais, mas, entre as 9 e as 5, adoram espreguiçar-se à sombra do estado socialista imposto pelo 25/11. A promiscuidade entre negócios e política - a marca do regime - tem a sua raiz profunda em Novembro de 1975.
Henrique Raposo
Nos anos do PREC, uma estranha forma de pluralismo circulava de boca em boca: o 'pluralismo socialista'. Aqueles que lutavam contra o 'socialismo autoritário' do PCP defendiam, em alternativa, um 'pluralismo socialista'. Na prática, isto significava o quê? Bom, significava que Portugal deveria ter vários partidos políticos, mas todos esses partidos tinham de ser socialistas. Mas que pluralismo poderia existir quando toda a gente era obrigada a ser socialista? Ora, o 25/11 consagrou este estranho pluralismo. Isto porque o PCP conseguiu impor um acordo que marcou a vida do regime até aos nossos dias. Os comunistas desistiram da ditadura comunista de partido único e aceitaram a democracia pluralista, mas, em troca, exigiram que todos os partidos tinham de respeitar a via socialista.
Foi este acordo que transformou este regime na coisa monocórdica que conhecemos. Foi este pacto entre o 'socialismo autoritário' e o 'socialismo pluralista' que deu o carácter apolítico e antipluralista à nossa democracia. Em 2008, ainda não existe um real pluralismo ideológico. Trinta e três anos depois, o nosso leque de escolhas continua a resumir-se ao 'socialismo pluralista' (PS, CDS e PSD) e ao socialismo demagógico (PCP e BE), a versão suave do velho 'socialismo autoritário'. O 25/11 matou a política em Portugal. Ficou tudo decidido ali. Vários partidos, mas uma só ideologia: o estado socialista.
Desde cedo, o estado socialista começou a seduzir a direita para o harém do regime: o Orçamento Geral do Estado. Lugares almofadados na administração pública para tecnocratas, pareceres faustosos para escritórios de advogados e negócios faraónicos para empresários, eis o que o harém tem oferecido à direita desde 1975. E a direita vive numa condição de inferioridade moral e ideológica porque aceitou ser comprada. Várias colecções de advogados e empresários gostam de dizer que são de direita em tertúlias pós-laborais, mas, entre as 9 e as 5, adoram espreguiçar-se à sombra do estado socialista imposto pelo 25/11. A promiscuidade entre negócios e política - a marca do regime - tem a sua raiz profunda em Novembro de 1975.
Henrique Raposo
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