segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O fantasma cavaquista

De cada vez que se abate um escândalo sobre algumas empresas parece que assistimos àqueles programas televisivos em que se procuram antigas vedetas desaparecidas. Levantamos as pedras de um banco nacional e saem de lá, como lacraus atarantados, dezenas de ex-ministros e ex-secretários de Estado. O PSD trata mais a banca e o PS prefere a construção civil. Mas a regra não é linear.
O pedregulho mais interessante está a ser o do BPN. Foi ali que repousou a nata do cavaquismo na sua travessia por desertos marroquinos e escapadelas a Porto Rico, passando por "off-shores" com nomes pomposos.

O cavaquismo foi o tempo de todas as oportunidades. O dinheiro entrava no país e evaporava-se em obras públicas, é verdade, mas também em cursos de formação-fantasma, em universidades privadas manhosas e numa casta de novíssimos ricos. Foi assim que o cavaquismo morreu. Submerso em escândalos pequenos e grandes, de que o jornal de Paulo Portas dava conta, com pontualidade semanal. Depois da experiência o PSD nunca mais foi o mesmo. O país, esse, perdeu a sua última oportunidade histórica. Aquele dinheiro nunca mais volta e estamos hoje na cauda da cauda da Europa. Acabou a festa e vivemos a ressaca.

O tempo passou e não há nada que o tempo não cure. A "entourage" de Cavaco mandou limpar os fatos um pouco enlameados. Transformaram-se em respeitáveis empresários e excelentíssimos senadores da nação. Mas se é verdade que tempo cura tudo, não é menos verdade que com ele tudo volta. E os cavaquistas voltaram para ensombrar a beatificação do seu austero patrono.

Ao ouvir os relatos do que se passava no BPN, contados na primeira pessoa por Dias Loureiro, tivemos o privilégio de olhar pelo buraco da fechadura. Loureiro era administrador na Sociedade Lusa de Negócios (adoro este nome) e diz que sabia do que se passava no seu grupo pelos "bruaás" que lia nos jornais e ouvia nos salões. Ouvia os "bruaás" mas continuava a assinar as contas, porque estava rodeado de pessoas em quem "confiava cegamente". Fazia queixas ao Banco de Portugal em conversas informais - diz ele, que o vice da entidade reguladora diz exactamente o contrário - e continuava, na sua infinita ingenuidade, a assinar tudo por baixo. Fazia negócios e não sabia onde estava o dinheiro dos negócios. Despachava sozinho com Oliveira Costa, porque por lá não havia reuniões. E, mesmo não achando nada disto normal, deixava andar.

Cada um acreditará ou não nas interessantes histórias de Dias Loureiro. Mas uma coisa é certa: o seu nome está no meio deste furacão. O seu e o de muitas figuras centrais da constelação cavaquista. O Presidente sabe disso e, muito legitimamente, enviou insistentes sinais de fumo a Loureiro. Ao nada discreto incómodo do Presidente, Loureiro respondeu com uma visita sem convite a Belém, colando ainda mais Cavaco Silva ao seu infortúnio. Nada a fazer: o Presidente, que se preparava para um fim de carreira sem sobressaltos, enfrenta agora os fantasmas do passado. Para desespero de Cavaco e do PSD, o cavaquismo voltou para o ensombrar. É a criatura a tentar regressar ao regaço do criador.


'Daniel Oliveira'

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