Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Ao estudar células nervosas em moscas-das-frutas (Drosophila melanogaster), cientistas norte-americanos descobriram uma nova função para um gene cujo equivalente em humanos tem um papel fundamental na esquizofrenia.
Os pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos, já sabiam que a forma mutante do gene humano – um dos três consistentemente associados à esquizofrenia – interrompe levemente a transmissão de sinais químicos entre as células nervosas do cérebro.
O estudo, publicado na revista Science, tem foco em genes envolvidos na chamada “plasticidade adaptativa” – a capacidade das células nervosas em compensar uma ampla gama de perturbações e permanecer funcionando normalmente.
Pesquisas feitas com diversas espécies – de moscas-das-frutas até humanos – mostraram que, se uma célula nervosa for funcionalmente comprometida, as células vizinhas podem compensar o prejuízo e restaurar a comunicação normal entre células. Esse tipo de plasticidade adaptativa estabiliza as funções cerebrais, mas as moléculas envolvidas no processo ainda permanecem desconhecidas.
A equipe coordenada por Graeme Davis, chefe do Departamento de Bioquímica e Biofísica da UCSF, realizou testes de triagem com 276 genes mutantes, ou “desligados”, a fim de determinar se sua ausência teria algum papel na plasticidade adaptativa do sistema nervoso das moscas-das-frutas.
Ao contrário do que ocorreu com a maior parte dos genes, a ausência do gene conhecido como disbindina teve grande impacto na plasticidade adaptativa. “A mutação do gene comprometeu completamente a capacidade dos circuitos neurais para responder a uma perturbação experimental – isto é, para ser adaptável”, disse Davis.
Segundo ele, a mutação da disbindina foi uma das poucas mutações genéticas a causar tal efeito. “A função singular do gene sugere que o prejuízo à plasticidade adaptativa pode ter uma particular relevância para a causa ou progressão da esquizofrenia”, afirmou.
A esquizofrenia geralmente se desenvolve no fim da adolescência ou no início da idade adulta. Segundo o estudo, é possível que as mudanças normais de desenvolvimento nessa fase da vida representem um esforço significativo para as funções neurais.
“Se isso realmente ocorre, a capacidade do sistema nervoso para responder a essas mudanças normais de desenvolvimento – que em certo sentido são perturbações – pode estar comprometida nas pessoas que se tornam esquizofrênicas”, disse Davis.
O próximo passo para as pesquisas consistirá em investigar se a ausência do gene disbindina provoca um bloqueio da plasticidade adaptativa em camundongos e se outros genes ligados à esquizofrenia causam efeito semelhante.
O estudo revelou, ainda, uma visão mais geral sobre os mecanismos de plasticidade adaptativa, pois foi possível descartar o envolvimento de inúmeros genes que haviam sido previamente considerados potenciais atores do processo.
“Testamos várias mutações que alteram a função neural. A maioria delas mostrou perfeita plasticidade adaptativa. Isso sugere que existem papéis distintos para os genes na sinapse: alguns apóiam a função neural normal, enquanto um pequeno subconjunto controla a plasticidade adaptativa”, disse.
O fenômeno da plasticidade adaptativa, segundo os autores, representa uma área emergente de investigação nas neurociências, reconhecida pela primeira vez há cerca de uma década. Os primeiros estudos de Davis – cientista pioneiro da área – mostraram que, quando os genes em funcionamento no sistema nervoso das moscas-das-frutas sofrem mutação, o sistema nervoso compensa a modificação e os animais parecem surpreendentemente normais.
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