segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Obama e o contraste entre culturas políticas

A sucessiva nomeação de moderados, inclusive republicanos, para a equipa do Presidente-eleito, Barack Obama, confirma o que aqui tenho escrito sobre o tema - na verdade ultrapassa as minhas melhores expectativas. E assinala o início do desapontamento de certa esquerda europeia com Obama.

Estas nomeações não decorrem de meras considerações de circunstância. De certa forma, exprimem as profundas diferenças entre a cultura política anglo-americana e a continental. Reafirmo que estas diferenças são mais importantes do que as diferenças entre esquerda e direita, ou entre socialismo, liberalismo e conservadorismo.

Três conceitos políticos-chave, e as respectivas diferenças de percepção nas duas culturas políticas, ilustram bem o que está em causa.

Em primeiro lugar, o conceito de revolução. Na cultura política de língua inglesa, o conceito de 'revolução' não goza de grande prestígio. Prefere-se o conceito de mudanças graduais e descentralizadas, muitas vezes em direcções totalmente opostas, e não centralmente comandadas.

Edmund Burke terá dado o maior contributo para desacreditar a mitologia das revoluções. Tendo sido o líder parlamentar liberal do seu tempo, ele atacou severamente a Revolução Francesa de 1789. No continente, Burke é descrito como um reaccionário. Na tradição anglo-americana, é venerado pela direita e pela esquerda. Woodrow Wilson e John Maynard Keynes, nenhum deles de direita, falavam de Burke como o seu mestre.

A preferência pelas mudanças descentralizadas liga-se, em segundo lugar, ao conceito de ordem social descentralizada. No continente, a ideia de ordem social está em regra associada a uma organização minuciosamente comandada por uma entidade central. Na tradição anglo-americana, a ordem social é percebida como emergindo da interacção pluralista de pessoas, famílias e instituições - que tomam decisões e assumem responsabilidades por elas, sob a comum protecção da lei.

A recusa da revolução e a preferência por uma ordem livre sob a lei geram, na tradição anglo-americana, um terceiro fenómeno, altamente intrigante aos olhos continentais: o apego quase religioso a regras gerais de conduta, e a hostilidade a comandos particulares. Esta obediência espontânea a regras gerais de conduta, associada a uma rebeldia contra directrizes específicas e a uma surpreendente variedade de opiniões, hábitos e costumes, sempre captou a atenção dos melhores observadores continentais.

Acredito que reside em boa parte neste terceiro fenómeno a chave da estabilidade política - e da prosperidade - dos países de língua inglesa. A ela voltaremos na próxima semana.


João Carlos Espada

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