quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

PRECISO DE UM HOMEM EM CASA

Eu não sou bem um homem. Homem que é homem sabe agarrar num ‘Black & Decker’ e fazer um furinho numa parede. Eu da última vez que mexi num ‘Black & Decker’ ia descobrindo petróleo. Homem que é homem sabe pegar num busca-polos e resolver um problema eléctrico. Eu cá estou para a electricidade como as cegonhas para os cabos de alta tensão. Homem que é homem vê uma torneira a pingar e vai imediatamente munir-se de uma chave inglesa. Eu vou imediatamente munir-me de umas ‘Páginas Amrelas’. Sou uma desgraça, eu sei. Estou sempre a dizer à minha mulher. “Fazia-nos muita falta um homem cá em casa”.

Esta triste incompetência para as tarefas manuais é um rude golpe na minha virilidade. O cúmulo da humilhação foi quando há três anos chamei um técnico para me vir arranjar o esquentador inteligente. Eu abria a torneira da água quente mas o esquentador não disparava. O técnico chegou, olhou e (isto custa a admitir)... mudou-lhe as pilhas. Paguei sessenta euros. Sessenta euros por trocar duas pilhas. Felizmente, arranjei um verdadeiro profissional: em vez de se rir na minha cara esperou até chegar ao carro. Desde esse dia estou firmemente convencido de que o meu esquentador é mais inteligente do que eu.

Ainda por cima, tenho um cunhado que só não construiu sozinho a casa onde vive porque os homens das obras chegaram primeiro. Ele não só consegue pendurar quadros na parede – actividade que me parece mais complexa do que escrever ‘Os Lusiadas’ numa gruta – como se entretém a pintar divisões, calafetar janelas, desentupir canos, montar candeeiros e todos esses desportos domésticos que definem – como dizê-lo de outra forma? – o bom macho lusitano. Para minha suprema vergonha, ele até fabricou, com as suas próprias mãos, todo o mobiliário do quarto dos filhos. Já os meus filhos, quando vêm ter comigo a queixarem-se de uma lâmpada fundida, eu digo-lhes para chamarem a mãe.

A chatice no meio disto é que fico com problemas de consciência – não há forma de eu não me sentir menosprezado por esta incompatibilidade estrutural entre a minha pessoa e as Chávez de fendas. Eu queria muito ter um canalizador dentro de mim e não me sentir obrigado a renovar o meu seguro de vida cada vez que tenho de trocar uma lâmpada. Hoje em dia, sempre que é preciso fazer alguma coisa no quintal, tipo cortar os ramos da figueira ou pôr de pé uma vedação, a minha mulher já nem me diz nada: chama gente (homens, portanto) ou espera pela próxima visita do meu sogro. Imagino o que eles devem pensar de mim. “Olha, olha, o intelectual de óculos de massa, só porque escreve umas coisas no jornal acha que é muito fino para pegar num machado”. Mas eu não acho. Juro que não acho. Eu queria saber manejar o machado com a habilidade dos índios que despacharam o general Custer. Eu sou com o dia em que tenha com um serrote a intimidade que tenho com um livro. Eu quero sentir a mesma alegria a podar uma oliveira que sinto a ver westerns do John Ford. Ó vil destino. Eu tenho 35 anos e não há meio de ser um homem. Nem à martelada.


‘João Miguel Tavares’

Sem comentários: