Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela despenhada de sua órbita viva. - Porém, tu sempre me incendeias. Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite imagem pungente com seu deus esmagado e ascendido. - Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura. Entontece meu hálito com a sombra, tua boca penetra a minha voz como a espada se perde no arco. E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo se desfibra - invento para ti a música, a loucura e o mar. Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso, a inspiração. E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa. Vou para ti com a beleza oculta, o corpo iluminado pelas luzes longas. Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos transfiguram-se, tuas mãos descobrem a sombra da minha face. Agarro tua cabeça áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor? Eu sou aquilo que se espera para as coisas, para o tempo - eu sou a beleza. Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.
Herberto Helder
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