terça-feira, 6 de maio de 2008

PLANETA ACRÍLICO

Não era alucinação. Eu via, realmente, borboletas no jardim do meu prédio. Não creio que tenham passado despercebidas em outras manhãs. Também não me lembro de ter concorrido para que surgissem inesperadamente, geradas do ar finíssimo da madrugada, quando ainda ontem as margaridas pendiam desvalidas em seus caules e os crisântemos vergavam solitários ao vento.
É provável que alguém me condene a petulância de ocupar um espaço de uma publicação jornalística para comentar o prosaico vôo das borboletas sobre o verde particular do meu jardim. Quem não o faria no meu lugar, depois de tantos anos de nunca pressentida ausência?
Vi adejarem os pequenos insetos – e já não sabia que adejavam certas espécies da natureza. A maioria paira em altíssimos vôos, ou contenta-se em rastejar na superfície, quando podia simplesmente andar feito gente.
A principio julguei que as borboletas não passavam de uma impressão imaginosa do mundo. Uma fantasia, talvez, do mercado produtor, sequioso de clientes, e falando em sua linguagem metafórica de propaganda. Quem sabe, um novo equipamento eletrônico guiado por controle remoto, obra de alguma criança adestrada, ou graça de certos adultos.
Mas, eram reais as coloridas asas que flutuavam sobre os tinhões e as dálias. Liberadas de esquecidos quintais da infância, volteavam sobre as plantas, como se quisessem combater o artificial das cores sintéticas, das películas de plástico e das emoções de laboratório.
Lembro-me da frase de Sartre, citada, por todo o mundo: “Lês hommes ont perdu leur propre enfance”. Mas, quando se perde a infância, muitos acessórios da maturidade desaparecem com ela. Quer dizer, as pessoas só perdem, o que realmente, amam, e só encontram o que não queriam achar.
Neste mundo de acrílico, iluminado por mil sóis de néon o natural parece grotesco. E os homens, por terem perdido a própria infância, já não se lembram das cores originais da vida. Como eu, que não me dava conta da existência de borboletas verdadeiras, alimentadas de pólen e não movidas a controle remoto.

‘Luiz Augusto Crispim’

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