terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

MPB DE CARAS NOVAS

Andreia Dias e Ana Cañas provam nos seus discos de estreia que é possível renovar a música brasileira sem se afastar da tradição.

A Musica Popular Brasileira vive sempre nos proporcionando ótimas surpresas. Talvez por isso ainda consigamos suportar o estado de mediocrização por que passam os meios de comunicação eletrônicos, rádio e tevê para ser mais exato. Se de um lado a maioria dos jovens abrem o capô dos seus carros para ouvir coisas como “beber, cair levantar”, existem os que se engajam na missão prazerora de manter viva a chama do riquíssimo cancioneiro brasileiro. Para este segundo grupo indicamos dois belos CD’s: “Amor e Caos” de Ana Cañas (Sony-BMG) e “Vol.1”, de Andréia Dias (Scubidu Records), que são sem exagero algum, obrigtórios.
As duas moças têm em comum não apenas o talento e nem o A nos nomes, mas a ousadia com causa, o respeito á tradição e a busca de uma nova sonoridade e de uma nova forma de interpretar, mais do que cantar. É necessário dizer que há quem cante bem e interprete mal, e quem não cante assim de forma tão correta e dê vida ao que canta. Tanto Cañas como Dias cantam muito bem e interpretam melhor ainda.
A ousadia de Andréia Dias nesse seu primeiro disco solo – gravara antes coma excelente Banda Dona Zica – tem fundamentação no samba moderno de Itamar Assumpção, o Nego Dito, que deixou-nos uma profunda saudade. A levada é mais ou menos a mesma que Assumpção e a sua Banda Isca de Policia consagraram, meio atonal e recitativo.
Já a ousadia de Ana Cañas é realmente mais intempestiva e por isso nos remete a uma rebeldia ainda maior no tocante ao que ainda se ousa chamar mercado. Ela nos remete a um experimentalismo vocal surpreendente e sedutor, mas sem perder contato com a melodia e respeitando devidamente o sentido das letras.
“Vol 1” de Andréia, é um dos mais belos álbuns que ouvi em pelo menos cinco anos. Dito isto, o leitor poderá perguntar por que ela ainda não apareceu na ‘rede bobo de alienação’ e nem ganhou uma trilha de telenovela ou de comercial. Ela também não toca no rádio, é bom que se diga. Nem mesmo nas emissoras que se dizem dedicadas a tocar MPB, e relegam o novo e o regional a sua lista de proscritos.
“Amor e Caos” de Ana Cañas, é uma das surpresas mais acachapantes que tive em tantos anos de busca e expectativa, de que a música brasileira se redimisse da mesmice e do caos. Nem se faz necessário dizer que a intérprete passará longe dos padrões globais que é a afrenia acima de tudo.
O mais interessante ainda de estarmos tratando de dois maravilhosos discos é que ambos trazem, também uma sonoridade renovada e competente, sem os moderníssimos estereotipados que em vez por outra aparecem e somem com uma velocidade estonteante, por não terem consistência. As duas cantoras-compositoras não estão brincando de embromar nem de pesquisar aleatoriamente.
No disco “Amor e Caos” o charme da voz de Ana Cañas consiste justamente em chutar a mesmice sem menosprezar a técnica e o conceito das obras. Assim ela se arrisca como autora e assina ótimas faixas como “Mandinga Não”, “Para Todas as Coisas” e “Vacina na Veia”, esta última com direito a uma citação no inglês original de Shakespeare. Mas ela também se exibe com uma interprete visceralmente inovadora quando canta, pasmem, “Rainy Day Women # 12 & 35”, do gênio Bob Dylan, ou quando traz para si “Coração Vagabundo”, de Caetano Veloso.
Em “Vol1” Andréia Dias ousa de uma outra forma, com um outro sotaque, sem que isso torne o disco inferior ao da colega, mas apenas diferente. Todas as faixas são autorais, algumas simplesmente encantadoras e contagiantes como “Bode” e “Homem”, e outras perfeitamente cabíveis na tradição, caso de “Seu Retrato”. O timbre de voz suave é usado sabiamente por Andreia que derruba tabus e destrona mitos.
Estas duas cantoras e compositoras so exemplos de como a Musica Popular Brasileira tem novidades. O que ocorre é uma omissão criminosa da mídia, por isso recomendo que corra às lojas virtuais e pesquise na internet, porque tem muita gente honrando a sigla MPB e sem ficar remoendo o bagaço já sem sabor a Bossa Nova, que já morreu mais ainda não foi devidamente necropsiada e enterrada.

‘Ricardo Anísio’

Sem comentários: