segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

A NOITE ESCURA DA ALMA

Um misterio da humanidade que para mim nao tem misterio algum é: por que motivo algumas pessoas preferem trabalhar de noite, e não de dia? Como pertenço a essa espécie, o meu modo de ser me parece óbvio, e os outros é que são estranhos. A alta madrugada é o único horário propício para o trabalho intelectual. Para escrever, para compor, ou apenas para pensar. Frederik Pohl descreve assim esse período mágico: “O meio da noite é especialmente benfazejo para um escritor”. O telefone não toca, ninguém bate à porta, as crianças estão dormindo. É possível produzir pensamentos longos e consecutivos”.
Esta ultima frase diz tudo. Quem escreve precisa desenvolver idéias até uma certa extensão, sem perder de vista tudo o que foi pensado antes. É um pouco como fazer castelos de cartas. tudo se apóia numa base muito frágil. Qualquer perturbação bota tudo abaixo e é preciso recomeçar do zero. Eu comparo escrever a fazer contas de cabeça, somar vários números de cinco ou seis dígitos. Se a gente é interrompido, esquece tudo que veio antes, e tem que recomeçar.
Outro escritor de FC, Jmes Blish, saiu-se com uma versão interessante e cientifica para essa importância atribuída à noite. O seu conto “The Dark Night of the Soul” de 1956, descreve o cotidiano numa colônia espacial situada em Calisto, um dos satélites de Júpiter. Ali, vários artistas (pintores, poetas, músicos, etc...) são reunidos para trabalhar em tempo integral, e um dos cientistas explica por que:
“A maior parte do trabalho criativo é feito durante a noite. Durante essas horas, a massa inteira da Terra está entre você e o Sol. Ela o protege de um tipo muito penetrante de radiação solar, feito de partículas chamadas neutrinos. Estatisticamente, essa proteção é irrisória, porque toda a matéria é quase perfeitamente penetrável pelos neutrinos, mas parece que os processos criativos são sensíveis até à menor proteção”. Quando lhe perguntam por que a colônia artística foi criada em Calisto, ele responde: “Primeiro, porque a esta distancia do Sol o fluxo de neutrinos corresponde a apenas 3,7% do que experimentamos na Terra. O outro motivo é que por cerca de cinco horas a cada duas semanas, quer dizer, a cada dia local, você está protegido não apenas pela massa do satélite, mas por toda a massa de júpiter, que se interpõe entre você e o Sol. Durante esse período, você é capaz de utilizar as suas forças criativas com um mínimo de interferência da estática dos neutrinos.
A possibilidade de manter “pensamentos longos e consecutivos” é essencial para quem escreve. É como um compositor escrevendo uma sinfonia; ao escrever a parte de cada instrumento, ele precisa ter em mente tudo o que os demais instrumentos estarão tocando naquele instante, lembrar o som de cada uma dessas combinações, etc. O pensamento linear é fácil de manter. Pensamentos complexos, simultâneos, em paralelo, só sem a interferência dos neutrinos.

‘Braulio Tavares’

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