segunda-feira, 17 de março de 2008

FELICE, MA NON TROPPO

No ginásio, os maristas costumavam extrair temas insólitos para as redações em classe: “A gota d’água”, “O Grão de Mostrada” e coisas do gênero, para desespero do pessoal mais afeito aos cálculos e aos teoremas.
O texto clássico mesmo era: A Felicidade. Esse não podia deixar de aparecer nas aulas do irmão João Caçador.
A Felicidade.
Quarenta anos depois, se tivesse de escrever sobre o assunto, valendo nota para me graduar na vida, eu era capaz de ser reprovado, sem direito a segunda época.
À medida que o tempo vai se esgotando na vida de cada um, certas mistérios vão ficando cada vez mais difíceis ao entendimento da gente.
Os anos ensinam muito, é verdade. Porém, sobre a felicidade sei penas que sei muito pouco. Quase nada.
Quando menino, sabia muito mais. Só não sabia dizer direito. Mas posso até dizer que sabia quase tudo. Até porque naquele tempo era bastante simplesmente viver para ser feliz.
Se os meninos entendem com perfeição da felicidade. Entre os adultos, ela exige certos elementos que os ginasianos jamais ouviram falar. O acompanhamento da felicidade é que atrapalha o aprendizado das pessoas que já passaram há muito pelo ginásio e que acabaram reprovadas na vida, sem nada entender de felicidade, incapazes de assinar um texto de dez linhas para traçar o perfil verdadeiro de um homem feliz.
E afinal, onde está a felicidade?
No interior da alma humana; dirão os filósofos intimistas, os degredados filhos de Schoppenhauer. Mas quem é capaz de confessar em público, na presença de tanta miséria em derredor? Quem tem a coragem de abrir a boca para proclamar felicidade plena diante de tantas bocas famintas e de tantas mãos estendidas?
Não, a felicidade vive disfarçada em coisas simples que se espalham inadvertidamente pelo próprio viver das pessoas: uma rede à beira-mar, uma colina, o olhar terno de uma criança; quem sabe?
Talvez.
E depois? Recolhida a rede, dissipada a derradeira brisa, feito homem a última criança, por certo não terá mais o mesmo olhar. E a felicidade terá, finalmente, passado. Como a brisa. Como os anos repetentes que nunca passaram no Ginásio.
A felicidade humana, por certo é feita de sobras.
E, como não pode durar muito, cá entre nós, não, nunca se perde, em tudo se transforma e acaba nos fazendo felizes de qualquer jeito, mas finda voltando, numa reciclagem eterna, que os homens não podem governar, nem muito menos entender.
É por isso que faço de contas que as minhas felicidades são eternas. Assim profetiza o poeta, mandando acreditar nas pequenas durações que latejam na alma. Duram enquanto pulsa o coração das pessoas que se acreditam felizes.
É tudo quanto posso saber da felicidade. A eternidade tem o tamanho das crenças de cada um. Já vivi eternidades perfeitas, todas elas de pequenas durações.
E, quando tudo acabou, deu para entender que aquela era a fronteira extrema que um homem pode alcançar para ser feliz, depois que deixou de ser ginasiano.

‘Luiz Augusto Crispim’

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