segunda-feira, 17 de março de 2008

MORREU O TEU PERSEGUIDOR

Contou-me João Alfredo que, Numa das grandes empresas de São Paulo, os murais amanheceram com um esquisito aviso:
“Falecimento. Morreu, ontem, quem o perseguia, atrapalhando a sua vida na empresa. Todos, sem exceção, são convidados a comparecer ao velório, das 7 ás 17 horas, no auditório. Após o expediente, ocorrerá o sepultamento. Assina o DP”.
Ninguém se dirigiu aos postos de trabalho. Nunca um anúncio da diretoria tinha sido tão respeitado. Alguns, sem bater o ponto, apressaram-se para ocupar o seu lugar na longa fila que se formou na entrada da Quadra de Esporte, aonde o defunto tinha sido levado, devido ao afluxo de curiosos. Um amigo do falecido muniu-se de uma obsoleta máquina fotográfica. Os mais comovidos improvisaram buquês de variadas flores, colhidas, ali mesmo, nos jardins da repartição.
Lamentava-se a dor da eventual viúva que, conforme o palpite, mudava a cada instante. Não havia barulho, mas, como era de esperar, ouvia-se um constante murmúrio, ora de curiosidade, ora de consternação e até de acusações. A amante de um dos injuriados ensaiou algumas lágrimas, embora somente um morto houvesse sido anunciado. Aqui e acolá, como é comum nos velórios, uma gargalhada ou a costumeira saudação “tudo bem? nunca mais te tinha visto”.
Uns expressavam certeza absoluta ser aquele culpado pelo péssimo clima de fuxicos, pelo mal-estar reinante no trabalho, em como por alguns prejuízos à produção, detectados pelos técnicos no assunto. Outros atribuíam ao morto a falta de ética profissional, na disputa por espaço, em nome da concorrência. Afinal, concorrer é democrático, dizia um, com ar de intelectual. Mas, convenhamos, sem maquiavelismo! Outro acrescentava: DE que adiantou tanta ganância? Um terceiro apontava para o cadáver – todos têm esse destino. É melhor partir sem inimizades. Discutiam também quem ganharia a vaga de chefe deixada pelo morto.
A fila avançava. Ao observarem o esquife, logo retornavam aos seus postos de trabalho, sem comentários. Isso porque, ao se debruçarem sobre o caixão, tinham visto o seu próprio rosto no reflexo de um limpo espelho. Viam, constrangidos, que todos eram o defunto. Quebrou o silencio o poeta Zeca Boêmio que, ao sair da Quadra, filosofou:
- Só a morte nos faz pensar sobre a vida.
E aqui, cabe lembrar Sartre: L’enfer c’est lês autres (o inferno é os outros). Nessa empresa, como na maioria das repartições publicas, obtêm-se promoções, cargos, ascensões, salários, sempre em nome de interesses difusos. O inferno é a mediocridade, tentando denegrir, a qualquer custo, a competência; invejar as qualidades alheias e confundir, utilizando o mecanismo de transferência e expressando incurável neurose de perseguição. Os perseguidores são os “perseguidos”, como também os perseguidos são os “perseguidores” de si próprios. Infelizmente, isso não está morrendo. Ainda gozará de extensa longevidade.

‘Damião Ramos Cavalcanti’

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