segunda-feira, 14 de abril de 2008

BESAME MUCHO…

A essa altura dos acontecimentos, suponho que praticamente todos os gestos humanos já foram representados na tela cinematográfica. Um dos mais recorrentes tem sido o gesto de beijar, tão recorrente que há quem pense que foi a sétima arte que o inventou. Não foi. Séculos antes de o cinema existir já se beijava á vontade, porém, com certeza foi o cinema que deu ao gesto o seu estatuto – digamos assim – imaginário.
E vejam que a historia do beijo no cinema começou cedo.
Não fazia nem um ano que, em Paris, os irmãos Lumiere haviam mostrado ao público o seu cinematografo – 28 de Dezembro de 1895 – e, em Nova Iorque, já se lançava um filme chamado “O Beijo” (The kiss – 1896).
A estória foi a seguinte. Na Broadway fazia sucesso uma peça chamada “A viúva Jones”, com os actores May Irwin e John C. Rice desempenhando esse casal maduro que se apaixonava, e em dado momento, selava a paixão com um grande beijo. Bastante ativa na época, a companhia cinematográfica de Thomas Edison achou que seria interessante, e lucrativo, rodar um filme sobre o beijo do casal, e May e John foram contratados para, num cenário especial, repetir diante da câmera o beijo, agora sob a direção de William Heise.
Com a metragem padrão da época, um minuto de duração, o que “The Kiss” mostrava era um close dos rostos do idoso casal, que flertava um pouco e, aí, ele ajeitava o vasto bigode e beijava a amada na boca, acariciando o lado esquerdo da sua face com uma das mãos. Descontando o tempo do flerte, o beijo tinha exatamente quinze segundos de duração, e, no entanto, isto foi o suficiente para provocar escândalo junto dos setores mais conservadores da sociedade. Exibido em locais públicos, o filme para alguns pareceu “bestial”. Segundo a imprensa da época, no palco o beijo dos actores era perfeitamente natural e sadio, mas, aumentado para as proporções descomunais da tela cinematográfica ele resultava, obsceno, imoral, pornográfico, e devia ser proibido. Ainda bem que nem todos pensaram assim, e o filme de Edison foi um sucesso, o mais lucrativo daquele ano de 1896.
Logo que os filmes passaram a ser mais longos, contando uma estória com começo,meio e fim, o beijo conquistou o seu papel definitivo no enredo. O cinema mudo está cheio de beijos, e o falado, nem se fala.
Lá pelos anos 30, os beijos e suas derivações começaram ficar tão ousados que, de novo, os setores mais conservadores começaram a protestar e mesmo a mobilizar contra. Foi então que foi crido nos Estados Unidos, o famoso “Código Hays de Censura” que ditava, aos Estúdios, as regras sobre o nível de intimidade a ser mostrado nas telas. A partir de 1934, as encenações osculatórias passaram a ser rigorosamente cronometradas nos sets, pois um beijo que ultrapassasse o número de segundos permitido pela lei do Senador Hays seria sumariamente cortado da película.
O Código Hays vingou até 1964, mas, claro, muito antes desta data, ele já estava fragilizado pela avalanche de beijos atrevidos que o público pagante, aplaudindo, estimulava – um deles, vocês lembram-se bem; o de Burt Lancaster e Deborah Kerr nas areias quentes do Havaí em “A um passo da eternidade” (1953). Aliás, antes disso quem driblou o Código Hays foi o mestre Hitchcock, criando em “Interlúdio” (1946) o que se poderia chamar de “beijo intercalado”. Grant e Ingrid Bergmn se beijavam dezenas de vezes, com pequenos intervalos que davam a cada beijo, a duração exigida pela censura. Resultado: o efeito foi muito mais erotizante do que se o beijo fosse inteiriço.
Na fase áurea do cinema clássico, o beijo não era só um gesto erótico; era o símbolo da consumação do amor romântico, geralmente situado na parte final do enredo, como um sinal benfazejo de happy ending. Com a extinção universal da censura, nos anos setenta, quando uma cópula anal regada a manteiga passou a ser trivial, o beijo perdeu espaço na hierarquia dos gestos amorosos e muitos filmes modernos fazem elipse dele para ir direto a... vocês sabem a que.
De minha parte, sou saudosista dos velhos tempos em que William Holden e Kim Novak se beijavam num paiol de feno, e vendo aquilo e somente aquilo, íamos para casa, excitados, pensando termos visto muito mais.
Enfim, melhor que o beijo na tela, só o beijo fora dela. Muitos e saborosos é o que desejo o leitor, sobretudo neste dia 13 de Abril, dia mundial do beijo.

‘João Batista de Brito’

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