quarta-feira, 16 de abril de 2008

A POTESTADE

Sonhei que estava flutuando no espaço sideral, cercado de constelações, de portentos, de trevas fulgurantes. A Potestade rodeou-me com a sua Presença, e dirigiu-se a mim:
“Não crês na minha existência”, disse-me ela – e cada célula do meu corpo reverberou como um tímpano. “Por isso prefiro dirigir-me à totalidade do teu Ser, que só emerge quando adormece o cão de guarda que te sustenta vida afora, e ao qual chamas de Eu, ou Consciência”. Eu estava aterrado e sem palavras; só me restava escutar. Sentia-me esvoaçar em todas as direções, como uma pluma no epicentro de um tornado. “Admiro tua fidelidade a ti próprio”, prosseguiu. “São muitos os que não crêem, mas dizem crer por covardia, por conformismo, ou por imitação. Mais importante que a fé é a verdade. Mais importante do que crer em mim é ter a coragem de olhar dentro de si mesmo e dizer sem rebuços o que vê.”
O que via eu? Via galáxias coruscantes, aglomerados densos de matéria escura, estrelas que faiscavam como os grãos de areia no interior de um tornado. E aquela voz, que prosseguiu: Deves estar te perguntando – por que eu? Por que logo eu fui chamado para este Contato, esta Revelação? E te responderei usando a linguagem do teu tempo e do teu povo. O Universo está contido em ti. Em teu corpo e tua alma estão gravados de forma; indelével todas as informações necessárias para reconstruir tudo isto que vês à tua volta. Fosse este Universo destruído, bastaria que tu sobrevivesses para que toda a historia dele pudesse ser reconstruída, a partir das leis que governam os teus átomos e as tuas células vivas. O Universo é auto-reflexo: está todo gravado em cada uma das partes vivas que contém”. Fez uma pausa. “Isto vale não só para ti, é claro, mas para qualquer outra criatura. Se te escolhi foi por mero Acaso. Quero te mostrar algo”.
Fez um gesto com a mão, e a esse gesto descerrou-se uma cortina. Ms como posso dizer “um gesto”, se sua presença ocupava toda a face interna da esfera de espaço que me continha, como falar em mão se a sua mera impressão digital era composta pelo turbilhão de galáxias que ali revoluteavam? Mas a esse gesto uma Dimensão abriu-se e vi ali justapostos todos os tempos, todos os passados e futuros, todos os fios entrelaçados dos mundos possíveis. “O mundo em que vives passa por uma crise que pode destruí-lo”, prosseguiu a Voz. “Falo do teu planeta, e do teu país. Quando crises assim se anunciam, escolho um habitante para me informar sobre a necessidade desse mundo. E é isso que te pergunto: vale a pena que esse planeta e esse país existam? Vale a pena que prossigam? Se achares que não, desaparecerás com eles. Mas se achares que sim, desaparecerás só tu. Teu nome será obliterado, teus atos esquecidos, teus descendentes se estiolarão. Teu país prosseguirá, e desaparecerás apenas tu. Não tens que me responder agora. Vai – desperta!” Neste instante o celular tocou na mesa de cabeceira. Atendi, e era engano.

‘Braulio Tavares’

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