sábado, 19 de janeiro de 2008

LA BUENA DICHA

Atravessou o caminho dos carros com a leveza insustentável das coisas impossíveis. E, em redor, tudo ficou intransitável.
Seria um pássaro, não fosse uma pétala ou qualquer outro misterioso ser, no todo harmonioso, porem inexplicável em cada detalhe.
Pousando na calçada, vi que era uma cigana. Os olhos, todavia, não eram humanos tão longínquo era o olhar.
Parecia enxergar-me para além dos meus limites, da minha simples presença ou mesmo do lugar que eu ocupava precariamente à sua frente. Digo precário porque era como se a qualquer momento pudesse eu sumir do universo que ela mantinha por um fio, apneas sorrindo com o olhar.
- Queres conhecer a buen dicha?
Deixou cair a pergunta num gesto distraído, como se apenas libertasse as forças emboscadas nos cabelos negros anelados num só capricho, no alto da cabeça.
E agitou de leve a fronte morena, onde se refugiavam duas mechas sedosas, afagadas pelo derradeiro vento da tarde umedecida pela garoa retardatária de Agosto.
Homem de pouca fé e modestíssima sorte, recolhi instintivamente a mão, esta igualmente de pouca ou nenhuma leitura – dir-se-ia, nessa matéria de sorte, absolutamente analfabeta.
Meus olhos, porem, é que soletravam no seu colo exposto à luz opaca do entardecer, mensagens que só se escrevem um vez na vida.
O sorriso tênue que mantinha suspenso o mundo em redor de si ameaçou apagar-se em sobras, diante do meu recuo. Imediatamente, devolvi-lhe o meu destino espalmado nas duas mãos e no sentimento do mundo que ela sustentava com força do sorriso.
Ainda pensei em argumentar: deixasse irrevelados os mistérios do destino desenhados na palma da minha mão. Segredos vespertino não se devem revelar.
Ainda mais porque – cabia-me indagar – que faria eu, mortificado, se os visse a rolar pela calçada, na direção do meio-fio, à vista de todos, em franca e geral assombração.
Não me permitiu sequer que acrescentasse à recusa, que preferia mesmo os desenganos irrevelados nas linhas do destino à expressão dos abismos conhecidos da vida inteira.
Assustava-me, porem que o sorriso se apagasse instantaneamente, à luz bruxuleante do abajur da tarde. E, naturalmente, atraído pelos sortilégios da noite, fosse o mundo se apagando também.
Por isso, não lhe disse nada. E ela disse tudo.

- “Luiz Augusto Crispim” -

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