terça-feira, 22 de janeiro de 2008

“Psicanálise não é modismo nem marketing”

Dois importantes nomes da psicanálise, um brasileiro e outro francês, vão se encontrar João Pessoa nos próximos dias 24 e 25. Jacques André (França) e Zeferino Rocha (Recife/PE) são os conferencistas da V Jornada da Sociedade Psicanalítica da Paraíba e IV Jornada de Psicanálise de Crianças e Adolescentes, que acontecerão no Hotel Caiçara, numa realização da Sociedade Psicanalítica da Paraíba – SPP.
O francês Jacques André é Psicanalista da Associação Psicanalítica da França (APF), professor de psicopatologia da Université Denis Diderot (Paris VII) e atual Diretor do Centro de Psicanálise e de Psicopatologia (CEPP) da Universidade de Paris VII. O evento terá como tema central “A Psicanálise na escuta das psicopatologias” e promete ser um dos grandes momentos de reflexão para a classe psicanalítica este ano.
Além dos conferencistas, participam também da Jornada psicanalistas de renome nacional, com estudos psicanalíticos importantes que serão debatidos no evento, como Cibele Prado Barbieri, presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise, Neuma Barros, presidente da SPP, Mercês Muribeca, Vera Esther Ireland, Luis Maia, Ivone Vita, Henriqueta Melo e Dalva Alencar.
Em entrevista exclusiva ao CORREIO, o psicanalista pernambucano Zeferino Rocha, autor de importantes publicações utilizadas por acadêmicos de Psicologia e especialistas em Psicanálise, analisa a interação da Psicanálise com outras áreas, a utilização e popularização das terapias e diz, entre outras coisas, que a presença do psicanalista francês Jacques André em João Pessoa é uma garantia de que esses dois dias de estudos se transformarão em uma grande aprendizagem teórico-clínica para todos aqueles que dela puderem participar. Mais informações no site: www.sppb.com.br
A ENTREVISTA
A Psicanálise é utilizada hoje em diversos campos de atuação profissional, como por exemplo, na área de Direito ou na Educação. É importante haver essa interdisciplinaridade ou o Sr. acha que cada profissional deve centrar seu trabalho na sua área de atuação?
O tempo das Enciclopédias está definitivamente superado. Hoje nenhuma ciência poderá abranger sozinha todo o vasto campo do saber. Por isso, nenhuma ciência pode prescindir da ajuda das outras. Desde os primórdios da psicanálise, Freud tomou consciência de que a descoberta do Inconsciente poderia ser de grande valia para a pesquisa em outros campos do saber e ele próprio aplicou suas descobertas psicanalíticas à Literatura, ao Direito, à Etnografia, à Educação, à Religião, à Moral e a muitos outros campos de pesquisa. Hoje, creio, é convicção unânime de que o diálogo interdisciplinar é indispensável para o progresso das diversas ciências. Se a psicanálise tem uma contribuição notável a dar às ciências humanas, ela, por sua vez, tem muito o que receber dessas ciências e de todas as demais ciências que se preocupam com o fenômeno do homem.
Como o Sr. avalia a utilização da terapia nos dias de hoje? Muitas pessoas procuram terapias por vários motivos: estresse, problemas no casamento, entre outros. Fazer terapia poderá se transformar em um modismo pós-moderno? Isso implicaria em algum dano à psicanálise, que poderia ser banalizada?
A condição trágica do homem, que o confronta constantemente com a dor de seus limites e com a experiência do sofrimento sob suas formas as mais diversas, explica por que ele sempre necessitou dos cuidados terapêuticos. Por isso, sob formas as mais diversas, a experiência terapêutica sempre existiu e nunca deixará de existir na sociedade humana. A psicanálise é uma dessas formas de terapia. Não é a única, nem necessariamente a mais importante ou a melhor. Sem dúvida que o trabalho terapêutico pode ser banalizado, quando cede à tentação dos modismos e se deixa dirigir pela técnica do marketing. A própria experiência analítica pode ser banalizada, se não for fiel aos seus objetivos. Mas isto acontece com qualquer profissão. Eu não conheço profissão alguma que não tenha sido banalizada, ou mesmo profanada, por alguns dos seus profissionais, que não souberam ser dignos da profissão que abraçaram.
A mulher, geralmente, tem seu corpo utilizado em comerciais de TV e em novelas como um verdadeiro troféu a ser conquistado. A Psicanálise tem algum estudo que trate dessa questão da utilização do corpo como forma de conquistar espaços? O Sr. poderia falar um pouco sobre isso?
Embora Freud tenha feito uma distinção entre o corpo e o psiquismo, entre o mundo somático e o mundo anímico, esta distinção, de maneira nenhuma, significa uma separação, pois, na perspectiva psicanalítica, tudo o que acontece no corpo repercute no psiquismo e tudo o que é vivido no psiquismo, repercute no corpo. Ou seja, para a psicanálise freudiana, o corpo é parte estruturante da subjetividade humana, pois o eu é fundamentalmente um eu corpóreo. Dito com outras palavras: o homem, enquanto sujeito, não apenas tem um corpo, ele é o seu corpo. Assim sendo, para a psicanálise, é um verdadeiro ultraje e um desrespeito à pessoa humana, a exposição do corpo humano como objeto de propaganda para fins comerciais. Os que assim procedem, reduzem o corpo humano, e especialmente o corpo da mulher, a um mero objeto, destituindo-o de sua dignidade metafísica de sujeito.
No ano passado o mundo inteiro lembrou os 150 anos de nascimento do criador da psicanálise, Sigmund Freud. O Sr., como psicanalista e principalmente como pesquisador, considera que o mundo ainda se rende ao pensamento freudiano? O mundo de Freud ainda é referência para a psicanálise no que podemos chamar de pós-modernidade?
Como todo gênio, Freud, em vez de ser considerado um marco que delimita o campo da pesquisa com as suas descobertas, deve ser olhado como um farol que ilumina o caminho para novas conquistas. Suas teorias não esgotam o saber psicanalítico, mas inspiram novas descobertas, no campo da pesquisa psicanalítica. Evidentemente, nosso mundo contemporâneo é muito diferente daquele em que Freud viveu e escreveu a sua Obra. Por conseguinte, não é de admirar que a clínica psicanalítica, hoje, defronte-se com problemas diferentes daqueles que ele conheceu em seu tempo.
Fale sobre a teoria da sexualidade em Freud. Ela foi importante no processo de emancipação e conquista da mulher por espaços cada vez significativos na sociedade contemporânea?
Freud teve o grande merecimento de reformular inteiramente o conceito de sexualidade vigente em sua época. Tanto na linguagem coloquial, quanto na linguagem científica, a sexualidade, até ao tempo de Freud, era exclusivamente olhada na sua forma genital, quando não confundida com o instinto sexual. Por isso, acreditava-se que ela só emergia na história do ser humano a partir da puberdade. Freud modificou esta maneira de ver a sexualidade, tanto no que se refere à compreensão do conceito, quanto à sua extensão. Distinguindo a pulsão do instinto e vendo, na pulsão sexual, a pulsão propriamente dita que dinamiza toda a nossa vida psíquica, ele deu uma outra dimensão ao conceito de sexualidade. E assim modificada a sexualidade pode ser aplicada às crianças, antes mesmo da fase genital e ser vivenciada em situações especiais sem nenhuma referência aos órgãos genitais. Acredito que esta modificação possibilitou, do ponto de vista psicanalítico, um estudo mais aprofundado da sexualidade infantil, da sexualidade feminina e da sexualidade perversa. No meu modo de ver, a teoria freudiana da sexualidade, que sob a denominação de libido ele próprio comparou ao Eros do divino Platão, favoreceu ao trabalho de emancipação e de conquista da mulher na sociedade contemporânea. O fato, porém, de Freud ter estudado a sexualidade feminina numa perspectiva, sob muitos aspectos, ainda muito marcada pela perspectiva biológica, explica que algumas de suas afirmações deixem a desejar e tenham provocado uma reação negativa por parte das feministas.
Augusto Magalhães

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