terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O Milagre da Ota, segundo S. Vasco

«Em de Fevereiro de 1858, a Virgem apareceu a uma adolescente de 14 anos, Bernardette Soubirous numa aldeia dos Pirenéus, chamada Lourdes. De Fevereiro a Abril, Bernardette voltou a ver a Virgem mais 17 vezes. Na penúltima vez, quando já muita gente se tinha metido no caso, a Virgem disse em dialecto local: "Sou a Imaculada Conceição." Um dogma proclamado por Pio IX em 1854 e à altura objecto de muita polémica. Ao princípio as peregrinações não tiveram nem muita importância, nem muita gente. Mas foram aumentando com a abertura (em 1866) de uma linha de caminho-de-ferro e, pouco depois, com a derrota da França e a perda do Estado papal em 1870-1871, Lourdes passou a ser um centro de "turismo religioso" como nunca até ali existira, pela simples razão de que até ali não existiam comboios.
Fátima começou com a mesma espécie de ingredientes. Em primeiro lugar, com uma intensa perseguição à Igreja. Em 1917, por exemplo, o Governo expulsou seis bispos das respectivas dioceses: o bispo de Portalegre e o de Bragança em Fevereiro; o do Porto em Julho; o cardeal-patriarca de Lisboa em Agosto; o arcebispo de Braga e o de Évora em Dezembro. E, segundo lugar, com uma pré-guerra civil em Portugal, que a participação na Grande Guerra provocara. Em 1915 e 1916, três pastorinhos (Lúcia, Jacinta e Francisco) viram um anjo em vários sítios da freguesia de Fátima, coisa que não agitou excessivamente ninguém. Só que a história não ficou por aqui: entre Maio e Outubro de 1917, os pastorinhos viram a Virgem (quatro vezes), com quem Lúcia directamente falou e de quem, na versão oficial, recebeu, um "segredo".
Fátima fica ao pé do Entroncamento, na altura o nó de toda a rede ferroviária portuguesa. Como a linha de 1866 "fez" Lourdes, o Entroncamento "fez" Fátima. Se os pastorinhos vivessem em Bragança, nunca se teria ouvido falar deles. Com o tempo, claro, o carro e o autocarro substituíram o comboio e o Entroncamento deixou de contar. Infelizmente, o problema é agora a "internacionalização" de Fátima e essa "internacionalização" requer um aeroporto. O Vaticano fundou uma companhia low cost para o "turismo religioso", inaugurada esta semana com um voo Roma-Lourdes. Se o Estado português não intervier (pagando um aeroporto, evidentemente), Fátima está em risco de se tornar um "destino" secundário e de perder 150.000 peregrinos por ano. Resta saber se o Estado vai ou não subsidiar a Igreja. Com o nosso dinheiro.»
Vasco Pulido Valente

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