terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Na roda do tempo

Eu havia me proposto a publicar aqui neste espaço, uma vez por ano, textos de Carlos Castañeda, um antropólogo que marcou minha geração através dos relatos de seus encontros com feiticeiros mexicanos. Por falta de espaço, não faço isso desde 2004. Hoje acordei pensando: Castañeda, apesar de todos os seus críticos e de todo o seu trabalho que mais tarde me pareceu muito desordenado, não deve ser esquecido. Portanto, aqui vão, editadas, algumas de suas reflexões.
A intenção é o mais importante: para os antigos feiticeiros do México, a intenção (intento) é uma força que intervém em todos os aspectos do tempo e do espaço. Para poder utilizar e manipular esta força precisavam ter um comportamento impecável. A meta final de um guerreiro é poder levantar a cabeça além o sulco onde está confinado, olhar ao redor, e modificar o que deseja. Para isso, necessita disciplina e atenção total.
Nada é fácil: nada neste mundo é dado de presente: tudo precisa ser aprendido com muito esforço. Um homem que vai a busca do conhecimento deve ter o mesmo comportamento de um soldado que vai para a guerra: bem desperto, com medo, com respeito, e com absoluta confiança. Se seguir estes requisitos, pode perder uma batalha ou outra, mas jamais irá lamentar-se do seu destino.
O medo é natural: o medo da liberdade que o conhecimento nos traz é absolutamente natural; entretanto, por mais terrível que seja o aprendizado, é pior viver sem sabedoria.
A irritação é desnecessária: irritar-se com os outros significa dar a eles o poder de interferir em nossas vidas. É imperativo deixar este sentimento de lado. Os atos alheios não podem de maneira nenhuma nos desviar de nossa única alternativa na vida: o encontro com o infinito.
O fim é um aliado: quando as coisas começam a ficar confusas, um guerreiro pensa em sua morte, e imediatamente seu espírito encontra-se de novo com ele. A morte está em todas as partes. Podemos comparar aos faróis de um carro que nos segue por uma estrada sinuosa; às vezes os perdemos de vista, às vezes aparecem perto demais, às vezes apaga suas luzes. Mas este carro imaginário jamais se detém (e um dia nos alcança). Só a idéia da morte dá ao homem o desapego suficiente para seguir adiante, apesar de todos os percalços. Um homem que sabe que a morte está se aproximando todos os dias, prova de tudo, mas sem ansiedade.
O presente é único: um guerreiro sabe esperar, porque sabe o que está aguardando. E enquanto espera, não deseja nada, e desta maneira, qualquer coisa que receber – por menor que seja – é uma benção. O homem comum se preocupa em demasiado por querer aos outros, ou ser querido por eles. Um guerreiro sabe o que deseja, e isso é tudo em sua vida (e nisso concentra toda a sua energia). O homem comum gasta o presente agindo como ganhador ou perdedor, e dependendo dos resultados, transforma-se em perseguidor ou vítima. O guerreiro, por outro lado, preocupa-se apenas com os seus atos, que o levarão ao objetivo que traçou para si mesmo.
A intenção é transparente: a intenção (intento) não é um pensamento, nem um objeto, nem um desejo. É aquilo que faz um homem triunfar em seus objetivos, e levantá-lo do chão mesmo quando ele já se entregou à derrota. A intenção é mais forte que o homem.
A batalha é sempre a última: o espírito do guerreiro não se queixa de nada, porque não nasceu para ganhar ou perder. Nasceu para lutar, e cada batalha é a última que está travando sobre a face da Terra. Por isso o guerreiro sempre deixa o seu espirito livre, e quando se entrega ao combate, sabendo que sua intenção é transparente, ele ri e se diverte.
Paulo Coelho

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