terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Nu, olhando o mar

Era o ano de 1973 e as “lições de sexo” não tenham sido suficientes. Meus amigos ETs ainda não tinham feito contato e eu não sabia qual o exato ponto de mutação. O máximo que tinha conseguido em desdobramento foi numa fria madrugada, em Fazenda Nova, cantando ao ar livre para umas 4 mil pessoas. Foi bacana, pois lá, longe, muito longe do palco, a talvez uns 200 metros estava junto a uma fogueirinha de papel um rapaz bonito, de olhos indefinidos voltados pra escutar minha música. A 200 metros talvez, os olhos me percorriam e decifravam o máximo de poesia que então eu podia dar.
De volta à Paraíba, fuita até a praia. Na madrugada, fiquei nu, sentado na areia, olhando um Atlântico calmo, típico de maré baixa tropical, imaginando o outro lado do meramente incalculável. Sei que a linha reta me levava à Nigéria e Gil ainda não tinha feito “Refavela”. E não havia ainda pra mim o Limousine 58 e Ricardo Fabião cantando “Mistério”.
Nu, na areia, desnudei todos os bloqueios. Percebi que a música está intimamente ligada a cada átomo que forma o corpo físico. Tanto que a cada vértebra corresponde uma nota, numa escala definidíssima, admitindo sustenidos e bemóis. A cada nota também está ligada uma maneira de amar, sabendo-se que qualquer uma vale a pena.
Nu, na areia, me vi menino no mar, me contemplei ancião na África distante, me senti anjo sobre Berlim, me refiz totalmente poeta com minha música rasgando, colando, comendo cifras, letras e partituras. Como Gil ainda não tinha feito “Refavela”, Caetano também não aquela outra canção. Mas, eu já estava nu com a minha música
Ivone, pelo telefone, tinha quanto anos de idade. Nasceu pela minha boca um ano depois de “Giramulher” e eu tinha mexido com objetos de utilidade pública. Dois dias depois que dei adeus às fogueirinhas de papel de Fazenda Nova, ali, nu, sentado à beira do mar, já poida cantar “Sal, cimento e areia”, que compus enquanto voltava, com o saudoso Allan Carneiro, das noites de Pernambuco.
Nu, na areia, recebi por noturnos raios cósmicos, tudo aquilo que um dia me faria sentar no terraço, com minha mãe dormindo no último quarto, e olhar um gato atravessando o coração, como se fosse uma pantera azul das neves do Kilimandjaro, pois, cá no Nordeste, ainda se fazia frio em Sol. Ainda faz. Tudo me levaria às aparentes besteiras, aos vampiros expostos, à nova geografia da fome e à sociedade dos poetas putos.
Minha mãe não está mais por aqui. Acho que o mínimo que vou conseguir hoje é fazer e/ou cantar um blues.
Não gosto de fugir das memórias sentimentais.
Cada vez mais delas me torno companheiro, socío de espaços, tempos e abismos que Jomard Muniz de Brito, tropicalizando em Recife, vive a traduzir escrevivendo.
- “Carlos Aranha” -

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