sábado, 19 de janeiro de 2008

TUDO SE MOVE

Tudo se move. E tudo se move com um ritmo. E tudo que se move com um ritmo provoca um som; isto está acontecendo aqui e em qualquer lugar do mundo neste momento. Nossos ancestrais notaram a mesma coisa, quando procuravam fugir do frio em suas cavernas: as coisas se moviam e faziam barulho.
Os primeiros seres humanos talvez tivessem olhado isso com espanto, e logo em seguida com devoção: entenderam que esta era a maneira de uma Entidade Superior comunicar-se com eles. Passaram a imitar os ridos e os movimentos à sua volta, na esperança de comunicar-se também com esta Entidade: a dança e a música acabavam de nascer.
Quando dançamos, somos livres. Melhor dizendo, nosso espírito pode viajar pelo universo, enquanto o corpo segue um ritmo que não faz parte da rotina. Assim, podemos rir de nossos grandes ou pequenos sofrimentos, e nos entregamos a uma experiência nova sem medo. Enquanto a oração e a meditação nos levam até ao sagrado até do silencio e do mergulhador interior, na dança celebramos junto com os outros uma espécie de transe coletivo.
Pode-se escrever o que se quiser sobre a dança, mas de nada vale: é preciso dançar para saber do que se está falando. Dançar até a exaustão, como se fossemos alpinistas subindo uma montanha sagrada. Dançar até que, por causa da respiração ofegante nosso organismo possa receber oxigênio de uma maneira que não esta acostumado, e isso termina por fazer com que percamos a nossa identidade, nossa relação com o espaço e o tempo.
Claro que podemos dançar sozinhos, se isso nos ajuda a vencer a timidez. Mas sempre que possível, é melhor dançar em grupo, porque um estimula o outro, e termina-se criando um espaço mágico, com todos conectados na mesma energia.
Para dançar, não é necessário aprender em academias; basta deixar que o corpo ensine – porque dançamos desde a noite dos tempos, e não esquecemos isso. Quando eu era adolescente, ficava com inveja dos grandes “bailarinos” da minha turma da esquina, e fingia que tinha outras coisas para fazer durante as festas – como ficar conversando, por exemplo.
Mas na verdade eu tinha pavor do ridículo, e por causa disso não arriscava dar um passo. Até que um dia uma menina, chamada Márcia, me disse na frente de todo o mundo.
- Venha.
Eu disse que não gostava; ela insistiu. Todos do grupo ficaram olhando, e por que eu estava apaixonado (o amor é capaz de tantas coisas) não pude recusar mais. Fiz um papel ridículo, não sabia seguir os passos, mas Márcia não parou; continuou dançando, como se eu fosse um Rudolfo Nureyev.
Pouco a pouco, entendi que o meu corpo ia se libertando.
- Esqueça os outros e preste atenção no baixo – sussurrou ao meu ouvido.
Procure seguir o seu ritmo.
Prestei atenção ao baixo. E a sensação de liberdade aumentava a cada instante, enquanto os outros iam perdendo o interesse e nos deixando em paz. Quanto mais meu corpo se movia, mais a luz do meu coração se mostrava, e mais eu aprendia – talvez comigo mesmo, talvez com os fantasmas do passado. No final da noite, eu já era uma outra pessoa – tinha vencido um bloqueio, e arranjado uma namorada que seria muito importante em minha vida.
Naquele momento, entendi que nem sempre é necessário aprender as coisas mais importantes; elas já fazem parte da nossa natureza. Na juventude, a dança é um rito de passagem fundamental: experimentamos pela primeira vez um estado de graça, um êxtase profundo, mesmo que para os menos avisados tudo não passe de um grupo de rapazes e moças divertindo-se em uma festa.
Quando ficamos adultos, e quando envelhecemos, precisamos continuar dançando. O ritmo muda, mas a musica é parte da vida, e a dança é a conseqüência de deixarmos que este ritmo penetre em nós.
Continuo dançando sempre que posso. Coma dança, o mundo espiritual e o mundo real conseguem conviver sem conflitos. Como disse alguém que não me lembro, os ailarinos clássicos ficam na ponta dos pés porque estão ao mesmo tempo tocando a terra e alcançando os céus.

- “Paulo Coelho” -

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