sábado, 19 de janeiro de 2008

REENCONTRO

Jacó Levy Moreno foi o fundador do psicodrama. Ele está para o psicodrama assim como Freud está para psicanálise. Moreno diz que ao nascermos, saímos da placenta da mãe para sermos acolhidos pela placenta social, que compreende a nossa família e o nosso grupo social e profissional.Deixamos para trás o nosso lar e partimos em busca de nossos sonhos. Na placenta materna vivemos sumamente protegidos e ai nos nutrimos para enfrentar as borrascas da vida. Lá fora, no mundo, tal como o filho pródigo, vamos encontrar graves adversidades que nos fazem querer retornar para o seio materno e ali buscar conforto e energia para prosseguir a caminhada.
É certo que não podemos retornar ao ventre materno. Seria, em muitas situações, a suprema felicidade, o gozo inexcedível. Todavia, o retorno à casa paterna é uma magnífica oportunidade de quase se voltar à placenta, revivendo o doce tempo da “infância querida que os anos não trazem mais” , na expressão memorável de Casimiro de Abreu. Percorrer os primeiros caminhos, beber na fonte do rio dos tempos de menino, subir naquelas arvores que despertaram em nossas mentes infantes a idéia do desafio e da conquista, rever lugares que ficaram marcados em nossa memória, ouvir novamente os sons mágicos que nos transportam ao passado, tudo isso é voltar à placenta, é ser criança de novo. É viver a magia da “ave que volta ao ninho antigo” em busca de energia interior para prosseguir na estrada, em especial no entardecer da vida, quando as forças já começam a minguar, ou talvez à procura da paz perdida e dos sonhos que se apagam num despertar sem esperança.
De vez em quando volto à minha Caiçara, à casa branca n beira da estrada, cercada de centenárias baraúnas, onde minha terna mãe me trouxe a este mundo caprichoso, num janeiro sem chuvas. É ali aonde me reencontro, em longas meditações, envolvido num manto mágico de mil lembranças, ou, n expressão do porta, vivendo em cada canto uma saudade. Pelos desígnios do Altíssimo, sai daquelas plagas aos treze anos de idade, numa manha pesarosa. Minha mãe, retendo o choro, abençoou-me e, rezando em murmúrio, acompanhou a minha partida com o seu olhar afetuoso e triste. Aquela imagem acompanhou-me pela vida afora e hoje, quando lá retorno, vejo com os olhos da alma aquela doce criatura a me saudar da mesma janela. Os ouvidos parecem ouvir os sons de seus leves passos. A sua ternura e o seu perfume ainda envolvem a doce atmosfera materna. Na verdade, agora, só resta o seu retrato no alto daquela parede da varanda, espaço que servia de altar para celebrações religiosas, de sala de visita e também de dormitório da meninada, em redes. Apesar do vazio da sua presença, no mais, tudo permanece igual: a calçada, o curral do gado, o terreiro, o quintal, a montanha em frente onde despontava o sol e a lua, os sons entoados pelo berro das rezes e pelos cantos dos pássaros, as arvores que me davam sobra nas horas de solidão, tudo formando um mundo que me transporta ao começo da existência.
O elo com o passado é fundamental para fortalecer as energias do espírito. É bom percorrer velhos caminhos revivendo lembranças, reavivando marcas, replantando arvores, reaquecendo corações amigos, sem magoas, nem tristezas. Esse retorno não significa saudosismo, nem expressa desencanto com o presente ou desesperança no futuro. Trazer ao sacrário da memória velhas e doces recordações é reviver alegrias, é revigorar o animo com novas forças para prosseguir de passos firmes pelos caminhos do porvir. E para isso é interessante buscar no psicodrama de Jacó Moreno o reconforto de, sempre que possível, retornar ao ventre materno, mesmo que pelos caminhos da imaginação. E ali reabastecer a nossa alma.

- “ Vicente Leal de Araújo” -

Sem comentários: