terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O brinco engolido

Banqueiro é aquele que toma dinheiro emprestado e o reempresta em seguida. Sempre foi assim ou quase assim - porque os banqueiros vivem mudando seu jogo, como agora. Nos velhos tempos, banqueiro emprestava dinheiro e, em contrapartida, ficava com os contratos, promissórias e garantias. No vencimento tratava de cobrar o devedor, com juros e comissões. O problema dessa prática é o risco do abraço de afogados. Nos tempos ruins, quando o devedor atrasava o pagamento ou, simplesmente, quebrava o banqueiro podia afundar junto. Ou perdia dinheiro.
Depois de se ralarem com as quebras dos países emergentes nos anos 80, os banqueiros mudaram de tática. Nunca deixaram de ganhar dinheiro, mas trataram de passar para a frente seus contratos, graças à disseminação dos fundos de investimento.
Mantiveram seus empréstimos, apanharam os contratos e as promissórias, como desde tempos imemoriais, e os repassaram aos fundos. Estes, por sua vez, tomaram o dinheiro entregue pelos investidores e o repassaram aos bancos que, assim, dispuseram de mais recursos para manter a roda viva.
Sob um aspecto, os bancos ficaram melhor nessa encrenca do crédito de alto risco. Embora tivessem contribuído para o afrouxamento do rigor na concessão de financiamentos (porque também não exigiram tanto rigor na ponta dos administradores de fundos), optaram por ganhar mais comissão do que juros, passaram para a frente os recebíveis e, assim, ficaram relativamente a salvo dos calotes. Por outro lado, ajudaram a alavancar os fundos e companhias hipotecárias e agora temem ficar a descoberto.
Como já ficou adiantado nesta coluna no dia 12, os administradores de fundos não estão amarrados às mesmas exigências de segurança (regras de Basiléia) a que estão submetidos os bancos. E esta passou a ser outra tábua especialmente frágil do casco do barco.
Ao longo dos últimos 20 anos, toda a segurança do sistema ficou concentrada no controle das práticas bancárias. E, no entanto, a novidade é a desintermediação financeira. Os bancos ou pulam fora do circuito quando repassam sua carteira de créditos ou deixam que as empresas, companhias de crédito hipotecário e administradoras de fundos operem por meio da emissão de commercial papers. Assim, uma enorme parcela do sistema financeiro não está sujeita a controles, nem dos bancos centrais nem de agências reguladoras, nem de quaisquer outras autoridades supervisoras.
Os especialistas reclamam da falta de transparência e têm razão. É o brinco da princesa que caiu no mar, foi engolido pelo robalo que foi engolido pelo atum, que foi engolido pelo tubarão... Uma vez completada a operação com os bancos ou os primeiros tomadores da nota promissória, ninguém mais sabe em que barriga estão depositados os créditos originais.
O volume de créditos podres pode ser baixo, mas, como não há sistema claro de avaliação desses contratos a preço de mercado, também não se conhece o tamanho real do problema, fator que agrava a turbulência em momentos de pânico.
Celso Ming

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