sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O IMPERADOR VAI Á PRAIA

Contam que, no século XVIII, o rei prussiano Frederico II tinha a vista do seu castelo prejudicada por um moinho. As tentativas de remover aquela incômoda construção não tiveram sucesso, de forma que o soberano convocou o moleiro, proprietário do imóvel. Àquele simples cidadão, confrontado com a figura do soberano, foi questionado se não via que a sua discordância poderia resultar simplesmente na remoção do moinho por uma medida de força. O moleiro respondeu negativamente e acrescentou: “ainda há juízes em Berlim.”
O relato é lembrado para demonstrar um fato simples, mas muitas vezes esquecido: no estado democrático de direito todos estão sujeitos à lei, especialmente os governantes e os entes estatais.
A lembrança se faz apropriada agora, quando vários cidadãos estão sendo surpreendidos por comunicados emanados da Secretaria do Patrimônio da União, apontando irregularidades nos limites de terrenos foreiros e determinando a imediata demolição de benfeitorias. Estas correspondências têm tirado o sono de pessoas que há décadas ocupam imóveis cujas características já eram estas quando foram adquiridos, inclusive, com o pagmento do laudêmio à União. Na realidade, a questão não é tão simples quanto se parece.
Sabe-se que a delimitação dessas áreas passa necessariamente pelo estabelecimento da linha do preamar-médio de 1831, conforme dispõe o Decreto-Lei n. 9.760/46.
Quem reside na orla testemunha paulatinamente o avanço do mar, que se tornou mais acentuado nos últimos anos, a ponto de chamar a atenção da mídia. Mas, a questão que aqui se impõe é saber como, diante deste quadro extremamente mutável, pode ser estabelecida a linha do preamar-médio do longínquo ano de 1831.
Inúmeros são os estudos em curso com este objetivo. Contudo, é importante sempre lembrar da lei e, quanto a isto, a norma mencionada diz competir à Secretaria do Patrimônio da União determinar a posição da linha, devendo fazê-lo “à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime.”
Todavia, a lei não deixou ao livre arbítrio do órgão estabelecer a linha do preamar-médio de 1831: ela pressupõe a participação dos interessados, pela simples razão de que poderá criar limitações ao direito do administrado. Nessa parte, o Decreto-Lei enfocado traduz vários princípios hoje positivados na própria Carta Magna de 1988, especialmente o de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”.
Embora ali residam há vários anos, não há notícias de notificação ou convite endereçado a qualquer proprietário para participar do procedimento, razão pela qual se pode afirmar a insubsistência legal da atitude tomada pela Secretaria de Patrimônio. Tal como Frederico II, a União não está acima da lei.
Márcio Henrique C. Garcia

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