O cronista é um ser inimputável de todo o gênero. No seu mister de legitimo voyeur, dispõe de imunidade suficiente para testemunhar (e reproduzir) os fatos que cria ou que vive ao sabor do acaso, sem se expor à condenação de quem lê.
Espero, então, contar com o indulto do leitor para narrar algumas historietas vividas por mim ou recriadas a partir da vida alheia...
Conta Roberto Pereira, ex-secretário de educação e cultura de Pernambuco, que o grande Gilberto Freyre, certa vez, encontra uma repórter do Jornal do Comercio nos jardins da Fundação Joaquim Nabuco que lhe dirige a seguinte pergunta:
- Mestre, o senhor se considera o gênio do Século XX?
A resposta veio rápida e triunfal, bem ao estilo do autor de Casa Grande & Senzala, cujo Ego excedia todas as dimensões do seu tempo:
- E você conhece outro, minha filha?
Essa outra me contou Sebastião Nery aqui mesmo na Paraíba. O escritor João Alexandre Barbosa prestava exame em concurso publico para preenchimento da cadeira de Literatura Brasileira na Universidade Federal de Pernambuco. Na banca, dois monstros sagrados Antonio Candido e Ariano Suassuna.
Interessado em ver aprovado o ex-aluno, Candido deixa escapar o comentário:
- Ele tem notório saber...
Cáustico, Ariano, então responde:
- até posso concordar com o professor Candido. Mas há uma diferença muito grande entre notório e notável. Em Pernambuco, por exemplo, há muitos políticos que são ladrões notórios, já Lampião foi um ladrão notável.
Gilberto Freyre é inesgotável. Durante uma conferencia de Gilberto Amado, não menos vaidoso do que o seu homônimo pernambucano, Freyre, sentado na primeira fila, ouvia as primeiras palavras com vivo interesse, imaginando que o perfil traçado pelo orador correspondia ao seu:
- Quero saudar essa figura genial, aqui presente...
Gilberto Freyre estava quase levitando da cadeira “Grande orador esse Gilberto!”
- comentou para o vizinho.
Quero cumprimentar o meu caro amigo Luis Delgado
- Completa enfim Gilberto Amado.
Imediatamente devolvido à terra, Gilberto Freyre não se contém:
- Grande imbecil esse Gilberto Amado
A ultima se deu comigo mesmo, ao entrevistar José Américo de Almeida para a revista Visão, em 1975. Perguntei ao velho romancista:
- Afinal de contas, qual era a ideologia de Gentúlio Vargas?
Como se a resposta já estivesse engatilhada no seu cérebro há uma semana, não precisou de um ou dois segundos para sentenciar:
- Não tinha nenhuma. Foi tão liberal em 30 quanto fascista em 37.
‘Luiz Augusto Crispim’
Sem comentários:
Enviar um comentário