O apetitoso e insaciável apetite dos gestores pela mudança ignora os custos com a fadiga do pessoal e a falta de inovação que a acompanham.
O mundo esta a mudar a uma velocidade sem precedentes e sem sinal de abrandamento. O que deve fazer uma empresa para o acompanhar? Se abrirmos qualquer publicação, o mais provável é sermos recebidos por estas palavras, ou algo semelhante. São uma parte tão familiar do léxico empresarial que já quase nem reparamos nelas. Mas o que é que significam? A resposta é: muito pouco. E é ai que reside o problema. A idéia de que vivemos num mundo de mudanças extremamente rápidas é uma afirmação muito generalizada. Do que é que falamos exatamente? Pode ser medido? E, crucialmente, quais são as conseqüências para as empresas de acreditarmos nesta afirmação.
A crença de que vivemos tempos de mudança sem precedentes é, na realidade, comum a muitas eras. O passado parece mais estável do que o presente porque nos é familiar. Mas há uma serie de períodos do passado em que, na altura, parecia que o mundo estava a mudar, a colonização das Américas, o renascimento, a reforma, o iluminismo e a revolução industrial na Europa, e as guerras mundiais. Nos últimos quatro séculos a passagem de concepções religiosas do mundo para outras, seculares, teve, e continua a ter, ramificações maciças em todo o mundo, perante as quais as questões recentes da globalização e das mudanças tecnológicas parecem menos dramáticas. Assim, não há motivo para pensarmos que o presente é um tempo de maiores mudanças do que o passado, nem que somos os primeiros a conhecer mudanças consideradas “sem precedentes”. Quem pode afirmar que as mudanças associadas ao microchip são mais rápidas ou mais abrangentes do que as associadas à empresa.
O que sabemos é que é uma tendência natural do homem contemplar o passado como uma idade de ouro perdida no tempo. Por exemplo, é-nos familiar o modo como os medos provocados pelo crime apresentam um padrão recorrente de crenças segundo as quais “há 20 anos” vivíamos num período de estabilidade, ordem e moralidade. Em termos de pensamento empresarial, é freqüente a crença segundo a qual ocorreu uma alteração fundamental dos “bons velhos tempos” das burocracias estáveis, mercados de massas e êxtase organizacional, nichos de mercado e mudanças constantes. Normalmente, localiza-se este cenário numa época estável entre 1945 e a crise do petróleo de 1974.
Contudo, dificilmente poderíamos classificar a ordem do pós-guerra como uma de estabilidade econômica, política ou tecnológica. A sabedoria recebida da estabilidade do pós guerra ignora, convenientemente, por exemplo, a corrida ao espaço, a corrida aos armamentos, o desenvolvimento dos computadores, a guerra fria, a descolonização, as guerras da Coréia e do Vietname, o movimento feminista, grandes vagas de imigração e emigração, grandes alterações na cultura juvenil e as relações entre gerações. Não está claro se estas constituem um “ambiente estável” para as empresas. Até mesmo a “jóia da coroa” das mudanças sem precedentes, a globalização, é menos simples do que se assume. Alguns economistas mostraram, com várias mensurações, que a economia global é hoje menos globalização do que durante o apogeu dos impérios europeus do fim do século XIX.
Porque é que isto interessa? Não se trata certamente de fazer uma demonstração acadêmica. Pode até pensar-se que toda esta conversa sobre alterações sociais e históricas remotas não tem a mínima importância para executivos práticos. Abrir caminho a uma nova era, aceite pela maioria dos dirigentes de empresas e dos criadores de políticas como sendo do senso comum, é uma historia do passado. Aceitar esta verdade sem a pôr em causa é criar nas empresas o receio de ficarem para trás. Não é uma coincidência que este receio seja assumidamente espalhado por aqueles que tem interesse em fazê-lo. Se tentarmos vender soluções de gestão de mudança, uma forma é encostar o alvo à parede para eu não haja alternativa senão comprar. Quando aceitamos o clichê da mudança “sem precedentes” sem o questionar, já estamos quase encostados à parede.
Isto significa que, hoje em dia, a maioria dos gestores e dirigentes tem pouca interesse numa das suas principais capacidades: a gestão da estabilidade. A arte da organização centra-se na resistência, na gestão quer da continuidade quer da mudança, e perdemos a primeira parte se comprarmos invadidos pela histeria da compra. Podemos facilmente entrar numa situação em que isto é uma mudança e, por isso necessário.
A idéia de que qualquer alteração é boa causa danos enormes. Leva-nos a violar princípios racionais de gestão. Um exemplo deste principio é a analise de custos/benefícios. É fácil ser seduzido pelos benefícios projetados das mudanças organizacionais, mas contabilizarmos os custos? Será possível contabilizá-los, tendo em conta como é comum embarcar numa nova serie de mudanças antes de deixar que os esforços anteriores se instalem e sejam avaliados? E, na matriz dos custos da mudança, é preciso acrescentar um dos fenômenos mais perturbadores, mas menos quantificáveis, das organizações contemporâneas: a “fadiga da mudança”. Este fato é hoje objeto de discussão em publicações acadêmicas e entre os consultores, e é familiar a muitos no mercado. Outra mudança? Mais reorganizações? Desmoraliza num abrir e fechar de olhos e provoca movimentação do pessoal, desilusões e perda de empenho.
Mas mesmo hoje, que a fadiga da mudança é reconhecida, a discussão centrar-se em grande parte na forma de a combater durante o processo de transformação de gestão. Cada executivo aprendeu que as pessoas “resistem à mudança de forma irracional” e que isto deve ser ultrapassado. Mas esta idéia não faz qualquer sentido. Imaginemos ir para o emprego uma manhã e anunciar um aumento generalizado de salários de 10%. Será que as pessoas resistem à mudança? Claro que não: resistem às mudanças que representam ameaças para os seus interesses, e não só porque são mudanças. O que devemos perguntar não é como ultrapassar a fadiga da mudança, mas como resolver a sua causa fundamental. Talvez a solução seja não fazer essa modificação.
Podemos responder que as mudanças devem frequentemente ser efetuadas pelo bem da organização, mesmo que ameacem interesses individuais. É possível. Mas a taxa de insucesso em projetos de gestão de mudança é bem conhecida e sugere que nem sempre as transformações são efetuadas no interesse da organização. A resistência dos empregados provém muitas vezes do fato de saberem mais da empresa do que o escritório principal. Muitas pessoas são motivadas pela vontade de fazer um bom trabalho, não reconhecendo que a resistência às mudanças passa, exclusivamente, pela necessidade do pessoal de proteger o seu território – talvez conheçam melhor os desejos dos clientes.
Este ponto deveria ser bastante óbvio, já que “conhecimento tácito” tem sido uma palavra-chave do pensamento de gestão mais recente. Isto significa que os empregados conhecem todo o tipo de dados úteis sobre uma empresa mas estes só existem dentro das suas cabeças. O truque passa por transformar estes dados em vantagem para a empresa acedendo a eles, codificando-os e partilhando-os para o bem da organização. Essa idéia, aprendizagem organizacional, para utilizar o jargão, tem-se revelado uma poderosa ferramenta empresarial, mas porque é que os esquecemos quando se trata de mudanças? Se interiorizarmos que a resistência à mudança deve ser ultrapassada, arriscamo-nos a deixar fugir algo valioso: o conhecimento pratico, bem fundado, dos nossos colaboradores sobre os reais efeitos da transformação. Qualquer líder inteligente sabe que pode existir uma clivagem entre os melhores planos pensados na rede e a realidade no terreno. A mudança contínua não causa apenas fadiga. Também está associada a outros problemas organizacionais. Por quebra quase inevitavelmente o “contrato psicológico” com os empregados, a relação não verbal e não documetada, mas assumida entre o individuo e a organização, conduz muitas vezes à erosão da confiança. Isto é verdade nos casos em que as mudanças levam à deteriorização das condições de trabalho, ao aumento das exigências ou, em especial, a redundâncias. Esta ultima situação tende a ser a norma e alimenta a “síndrome do sobrevivente”, em que os que viram os colegas serem relacionados se tornam desconfiados e se enchem de ressentimentos face ao patronato.
Fundamentalmente, isto deferia alertar-nos para as deficiências de abordagem do capital humano das organizações em termos exclusivamente econômicos. Nunca devemos subestimar a ligação psicológica das pessoas, não apenas ao seu local de trabalho mas também, o que é muitas vezes mais importante, aos seus colegas. As empresas não podem simplesmente cortar uma parte do “capital humano” e imaginar que os que ficam continuarão como dantes. Pelo contrario, estas estratégias criam ressentimentos e minam a identificação entre o colaborador e a organização. Para dar apenas um exemplo, descrito em vários estudos, a redução do pessoal leva ao “presentismo”, no qual os trabalhadores fabricam a sua comparência, normalmente fisicamente, e também em termos de envolvimento psicológico, no local de trabalho.
Anteriormente utilizei a palavra “histeria” relativamente à mudança, e um dos exemplos mais familiares é o boom e o colapso das dotcom. Durante algum tempo acreditamos, absolutamente que estávamos a entrar numa era totalmente nova nos negócios em que os métodos tradicionais de marketing e distribuição estavam em transformação. Indubitavelmente, a internet mudou e continua a mudar o estado das coisas. Em certas industrias, como o turismo, o seu efeito foi enorme. Noutras, como a saúde, o seu impacte foi muito inferior ao esperado. Não avançamos para uma “economia sem peso”, como os gurus previam, mas continuamos numa “economia do petróleo”, que irá provavelmente definir o nosso tempo de forma tão clara como os que dependeram do ferro, do bronze, da madeira ou do carvão.
A crença numa mudança generalizada da economia em torno da internet parece, agora, uma má aposta. Entre as baixas desta má opção não se conta tanto o ímpeto inflamado das start-ups da internet como as empresas da “velha economia”, que reconfiguraram o seu futuro de acordo com o novo senso comum da era da informação.
Mas esta vaidade na mudança não é apenas irracional. As empresas que não seguem as ultimas tendências são punidas, e há que compreender o que aciona esta submissão se nos quisermos proteger dela. Conheço o caso de um CEO de uma das mais importantes empresas de telecomunicações que expõe o preço das ações da empresa no seu gabinete para saber sempre qual é. Aceitamos que é mero bom senso que um líder precise de coragem para atravessar a mudança, mas também é preciso coragem para resistir à tirania quotidiana do preço das ações. E é exatamente isso o que fazem os melhores líderes. Quando se deu o colapso das dotcon, algumas empresas, como a Llastminute.com, ignoraram as avaliações das suas ações e venceram. Os mercados têm pouca visão, mas os gestores têm de ter de ver mais longe.
Se a economia torna, por vezes, difícil resistir à histeria da mudança, o mesmo acontece com a psicologia. Aprendemos a considerar a mudança como sendo a marca de uma liderança e de uma gestão de sucesso. Imaginemos uma pessoa recém-nomeada para qualquer nível, do CEO ao chefe de equipa, que afirma “vamos continuar como até aqui”. É impensável, porque definimos o sucesso em termos de mudança.
Mas um estudo feito sobre gestores em toda a Europa concluiu que o principal impulsionador do lançamento de programas de mudança era a fuga à ansiedade. Pelo que o ímpeto para efetuar mudanças passa por ser visto como fazer qualquer coisa. Contudo, com consideráveis variações setoriais e globais, os gestores de cargos intermédios mantêm-se nos cargos em média durante dois anos e os GEO das principais empresas durante cinco anos. Assim, ao mesmo tempo que existe uma predisposição intrínseca para iniciar a mudança, também não se considera imperativo assumir responsabilidades futuras pela mesma.
Uma forma importante de conduzir a transformação deriva da técnica familiar de benchmarking, através da qual as organizações, e em especial os dirigentes, se comparam com outros membros do setor. Á primeira vista isto parece razoável. Numa observaço mais atenta é um receita para a cobardia. Com o benchmarking os gestores protegem-se contra as criticas: “Não cometi nenhum erro, limitei-me a seguir os lideres”. Não é de admirar que os maus erros de uma empresa se multipliquem em vários setores.
O que é mais preocupante é que o benchmarking é efetuado em comparação com os resultados (o que fazem os principais concorrentes), e não com os processos (o que os conduziu a essa ação). Isto é fundamental, já que a comparação dos resultados significa sempre um paralelo com a solução anterior. Mas confrontar processos equivale a aprender com culturas que arriscam inovar. Contudo, estas culturas surgem espontaneamente e no são facilmente copiáveis. Por isso, não é de estranhar que as grandes novidades iludam quem faz benchmarck.
Nos negócios falamos frequentemente da importância de pensar para lá dos limites. Mas, paradoxalmente, enquanto nos congratulamos por pensar fora dos limites, o que na realidade estamos a fazer é pensar o mesmo que todos. Se olharmos em retrospectiva podemos ver todo o tipo de certezas que hoje sabemos serem evidentemente erradas. Praticamente ninguém compreendeu que o que pareciam ser sólidos impérios da Grã-Bretanha e de outras potencias européias não passavam de acidentes à espera de acontecer. Praticamente ninguém viu que as técnicas na época seriam utilizadas por regimes totalitários para lançar o mundo em conflitos e tiranias cujas conseqüências continuam a sofrer.
Nenhum destes fatos nos devem levar a pensar que não ocorrem mudanças. Sempre ocorrem e ocorrerão. Não devemos correr segmente para as mudanças sem ter em conta as conseqüências ou as circunstancias. É estranho que as empresas do século XXI tenham adaptado tanto do espírito da política do século XX. Abraçaram revoluções, estratégicas grandiosas, transformações totais e são impacientes com reformas pequenas e fragmentárias. O filosofo Karl Popper criticou a engenharia social-utópica do totalitarismo e da social-democracia, preferindo ganhos incrementais contínuos baseados numa analise racional. A maioria dos dirigentes de empresas aceitariam este diagnostico da mudança política. É irônico que o ignorem tão completamente nas suas próprias organizações.
‘Christopher Grey’
Professor da Universidade de Cambridge
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